Mais uma prova de que o uso de estatina aumenta o risco de diabetes tipo 2 foi publicada recentemente, com o trabalho mostrando que o risco é particularmente elevado entre pessoas com sobrepeso, obesidade ou que têm pré-diabetes.
Os rersultados do estudo prospectivo e populacional foram publicados on-line em 05 de março no British Journal of Clinical Pharmacology pela Dra. Fariba Ahmadizar, Ph.D., do Departamento de Epidemiologia no Erasmus University Medical Centre em Roterdã, Holanda, e colaboradores.
Vários estudos observacionais e ensaios clínicos feitos anteriormente descreveram aumento do risco de diabetes tipo 2 incidente nas pessoas tratadas com estatinas, mas a maioria não traz detalhes sobre traços glicêmicos.
A incidência vista nos estudos observacionais, como a atual, tem sido muito maior do que nos ensaios randomizados, 44% versus 9% a 13%, observam Dra. Fariba e colaboradores.
Em seu estudo com 9.535 adultos com mais de 45 anos, inicialmente sem diabetes, durante o acompanhamento, os que tomavam estatinas apresentaram aumento das concentrações séricas de insulina em jejum, maiores índices de resistência à insulina, e tiveram 38% mais probabilidade de evoluir para diabetes tipo 2. O risco foi mais significativo entre os participantes com sobrepeso ou obesidade.
“Isso sugere que é necessário levar em consideração a diabetogenicidade das estatinas na prática clínica adotando rigorosas estratégias de prevenção, como o controle da glicemia e a redução do peso dos pacientes ao iniciar o tratamento com estatinas, o que pode ajudar a minimizar o risco de diabetes”, disseram os autores.
Solicitado a comentar, o Dr. Robert H. Eckel, cardiologista, professor de medicina e diretor da Lipid Clinic no University of Colorado Hospital em Aurora, destacou que “é importante lembrar que, mesmo se os pacientes tratados com estatina evoluírem para o diabetes tipo 2, o benefício cardiovascular permanece”.
Dr. Robert aconselhou que os médicos sigam as diretrizes sobre colesterol conjuntas de 2018 do American College of Cardiology (ACC) e da American Heart Association (AHA). Mas o professor também disse que, como o risco observado no estudo em tela foi um pouco maior do que o constatado nos estudos observacionais anteriores, “eu recomendaria que a hemoglobina glicada (HbA1c) fosse mantida na faixa de 6,2% a 6,4%, e rigorosamente monitorada nos pacientes tratados com estatinas”.
Uso de estatina, aumento da glicemia
Neste estudo longitudinal de acompanhamento de 9.535 pessoas inicialmente sem diabetes, feito de 1997 a 2012, a mediana de acompanhamento foi de quatro anos. A média de idade dos participantes ao início do estudo foi de 64 anos, 58% eram mulheres e 64,5% tinham sobrepeso ou obesidade.
No total, 968 (10%) participantes tinham tomado estatinas, como sinvastatina (57%), atorvastatina (25,5%) e pravastatina (10,3%). Durante o período do estudo, 7,5% (716) abriram o quadro de diabetes tipo 2.
Em uma primeira análise transversal ajustada por idade, sexo, coorte (por período), tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, atividade física, escolaridade, índice de massa corporal (IMC) e hipertensão arterial sistêmica, o uso inicial de estatina foi significativamente associado ao aumento dos níveis de concentrações de insulina de jejum pelo modelo homeostático de avaliação da resistência à insulina (HOMA-IR, do inglês Homeostatic Model Assessment for Insulin Resistance).
No entanto, os níveis séricos de glicose de jejum perderam a significância estatística após o ajuste por IMC e hipertensão arterial.
Por isso, Dra. Fariba e colaboradores disseram: “nossa descoberta sugere que a associação entre as estatinas e o diabetes possa ocorrer por meio da secreção da insulina e /ou da resistência à insulina”.
Não houve efeito relacionado com a dose ou o tipo de estatina. Em uma análise longitudinal de acompanhamento, o uso de estatinas foi significativamente associado à incidência de diabetes tipo 2, com razão de risco (HR, do inglês hazard ratio) de 1,64 antes e 1,38 após os ajustes, o que foi significativo.
O risco foi significativo entre os que estavam tomando estatinas, mas não entre os que já haviam tomado estatina, com HR de 1,52 e 1,18, respectivamente.
Novamente, não houve efeito significativo do tipo de estatina ou da dose utilizada no risco de incidência do diabetes tipo 2 nesta análise, embora o maior tempo de uso da estatina tenha aumentado o risco.
Relação só é significativa para os homens com maior IMC?
Em outras análises de sensibilidade estratificadas pelo IMC no início do estudo, a associação entre as estatinas e o diabetes tipo 2 só foi significativa para os que tinham sobrepeso ou obesidade, mas não para os que tinham IMC normal (HR 1,42 vs. 1,18).
E ao estratificar por sexo ao início do estudo, o diagnóstico só foi significativo para os homens e não para as mulheres (HR 1,52 vs. 1,28).
Dr. Robert comentou: “Foi frustrante não ter dados sobre a HbA1c, mas, em geral, os participantes com níveis mais elevados de HbA1c sem diabetes tipo 2 têm maior risco, o que é corroborado pelos dados de glicemia deles”.
O comentarista também criticou a ausência de dados sobre história familiar de diabetes tipo 2, e questionou as conclusões sobre os homens e a ausência de significância estatística das doses de estatina, observando que “a dose da estatina ainda pode ser importante, apesar do que os autores observaram”.
Dr. Robert Eckel é membro de comitês consultivos e/ou presta consultoria para as empresas Sanofi, Regeneron, Kowa, Novo Nordisk, Merck e Endece.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.
Referencias: Br J Clin Pharmacol. Publicado on-line em 05 de março de 2019.
https://portugues.medscape.com/verartigo/6503371#vp_2