Um estudo do Instituto de Pesquisa do Hospital do Coração (IP-HCor), coordenado pelo cirurgião Dr. Carlos Aurelio Schiavon, e publicado em março no periódico Hypertension avaliou o impacto da cirurgia bariátrica no perfil da pressão arterial (PA) em 24 horas pelo exame MAPA (monitorização ambulatorial da pressão arterial de 24 horas).
Os resultados mostram que o procedimento reduziu o uso de anti-hipertensivos, melhorou a variabilidade da PA e diminuiu o impacto da hipertensão resistente associada à obesidade.
Os Drs. Carlos Aurelio e Luciano Drager, cardiologista do Instituto do Coração (centro parceiro do estudo), falaram ao Medscape sobre a pesquisa.
A pesquisa é um subestudo do ensaio GATEWAY (sigla do inglês, Gastric Bypass to Treat Obese Patients With Steady Hypertension). Na investigação inicial, a equipe do IP-HCor já havia verificado que a derivação gástrica em Y de Roux combinada com a terapia medicamentosa foi capaz de promover redução no total de anti-hipertensivos superior à observada em pacientes que só faziam tratamento medicamentoso.
Na pesquisa publicada este ano, o grupo analisou especificamente os efeitos da cirurgia bariátrica sobre o perfil de MAPA, e também obteve resultados favoráveis.
Cem pacientes entre 18 e 65 anos de idade, com índice de massa corporal (IMC) de 30,0 kg/m2 a 39,9 kg/m2 e hipertensão tratada com pelo menos duas drogas em doses máximas, ou mais de duas drogas em doses moderadas, foram incluídos na avaliação.
Metade dos pacientes foi submetida à técnica de derivação gástrica em Y de Roux (Link) combinada com terapia medicamentosa. Os outros participantes foram submetidos apenas à terapia medicamentosa. Todos os pacientes receberam orientação para a prática de atividade física, nutricional e psicológica. Os resultados do exame MAPA foram avaliad no início do estudoe 12 meses depois.
Após o acompanhamento de um ano, os autores notaram redução de 10,8 ± 3,7 kg/m2 no IMC médio do grupo submetido à cirurgia. No grupo de controle, a redução foi de apenas 0,2 ± 2,2 kg/m2.
O perfil de MAPA 24 h foi semelhante entre os grupos após 12 meses, mas os pacientes que passaram pela cirurgia bariátrica precisaram de menos classes anti-hipertensivas. No início do estudo o grupo que recebeu apenas terapia medicamentosa usava uma mediana de três classes de medicamentos anti-hipertensivos e após um ano manteve três. No grupo que realizou a cirurgia bariátrica, a mediana de três medicamentos no início do estudo foi reduzida para zero após um ano de acompanhamento.
A variabilidade real média da PA sistólica noturna foi menor após a cirurgia bariátrica em comparação com a terapia medicamentosa. Quanto à hipertensão resistente, embora a prevalência tenha sido semelhante entre os grupos noinício do estudo, ela foi significativamente menor nos pacientes bariátricos após 12 meses.
O Dr. Carlos Aurelio e o Dr. Luciano explicaram que o exame MAPA fornece informações que a aferição da PA no consultório não oferece, incluindo a PA durante a noite e as alterações da PA noturna em relação à PA diurna (descenso noturno). Segundo eles, vários parâmetros obtidos com MAPA fornecem maior valor de prognóstico cardiovascular do que as aferições feitas no consultório.
No estudo em questão, como os participantes analisados apresentavam PA de consultório controlada com o uso de medicamentos, o grupo também esperava encontrar PA no MAPA dentro dos valores normais, embora este não tenha sido um fator de exclusão.
Dessa forma, a ausência de diferenças entre os grupos com relação ao perfil de MAPA após o acompanhamento não surpreendeu a equipe.
“Foi importante observar que a cirurgia bariátrica foi capaz de manter vários destes parâmetros muito semelhantes ao grupo de controle, mas com uma diferença: pacientes randomizados para a cirurgia bariátrica precisaram de muito menos anti-hipertensivos (e uma proporção expressiva não precisou de nenhum medicamento para controlar a PA) em relação aos que mantiveram o tratamento clínico com orientação alimentar. Isto tem implicações em custos, em adesão ao medicamento e potencialmente em desfechos clínicos em longo prazo”, afirmaram os autores.
Atualmente, o Ministério da Saúde indica a cirurgia bariátrica, entre outros casos, para indivíduos com obesidade grau 3 e para pacientes com obesidade grau 2 com comorbidades, por exemplo, hipertensão arterial sistêmica de difícil controle que não obtiveram sucesso no tratamento clínico por um período mínimo de dois anos.
Para os médicos, os resultados da pesquisa apontam para uma possível expansão dos critérios, com possibilidade de indicação da cirurgia bariátrica para formas mais leves de obesidade em pacientes com comorbidades como hipertensão arterial.
“Obviamente precisamos de mais evidências antes de uma recomendação definitiva, porém não devemos deixar de levar em conta que o cenário atual, no que se refere ao controle da hipertensão arterial (incluindo em pacientes obesos), é ruim, a despeito das várias classes de medicamentos disponíveis no mercado. Portanto, a possibilidade de novas formas de tratamento, como a cirurgia, não deve ser menosprezada com objetivo de melhorar o controle destes pacientes”, destacaram o Dr. Carlos Aurelio e o Dr. Luciano.
Isso porque o estudo GATEWAY incluiu pacientes hipertensos com obesidade grau 1 (IMC entre 30,0 kg/m2 a 34,9 kg/m2) e, apesar de não haver poder estatístico para comparar os resultados dos pacientes obesos grau 1 e grau 2, os pesquisadores explicaram que os indivíduos com obesidade grau 1 também reduziram PA após o procedimento cirúrgico e não tiveram taxa maior de complicações.
Para os médicos, a indicação da cirurgia bariátrica para pacientes obesos com hipertensão tende a seguir o fluxo observado com o diabetes tipo 2, ou seja, à medida que mais evidências surjam, será possível considerar a indicação da cirurgia para obesos grau 1 e hipertensos, principalmente nos pacientes recebendo várias classes de anti-hipertensivos e com controle inadequado.
“Não podemos deixar de citar que, além do controle da PA, também observamos a melhora de vários fatores de risco cardiovascular como o perfil glicêmico, lipídico e inflamatório que, em conjunto, têm grande potencial na redução dos riscos destes pacientes”, disseram os pesquisadores.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.
Referência: https://portugues.medscape.com/verartigo/6503429#vp_2