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Obesidade agrava Covid-19 em pacientes jovens?

Quanto mais jovem for um paciente que estiver na unidade de tratamento intensivo (UTI) com Covid-19 (sigla do inglês, Coronavirus Disease 2019) grave, mais obeso esse paciente tende a ser, de acordo com uma nova análise publicada no periódico The Lancet.

“Por si só, a obesidade parece ser um fator de risco suficiente para começar a ver pessoas mais jovens aterrissando na UTI”, disse o primeiro autor do estudo, Dr. David Kass, médico e professor de cardiologia e medicina na Johns Hopkins University School of Medicine, nos Estados Unidos.

“Nesse sentido, há uma mensagem simples: Se você está muito, muito acima do peso, não pense que o fato de ter 35 anos dá muito mais segurança em relação à Covid-19 grave do que sua mãe, seus avós ou outras pessoas na faixa dos 60 ou 70 anos”, disse o Dr. David.

Essas observações, que o Dr. David descreve como um “instantâneo de duas semanas” de 265 pacientes (58% do sexo masculino) no final de março e no início de abril em alguns hospitais universitários nos Estados Unidos, reforçam outras pesquisas recentes que indicam que a obesidade é um dos maiores fatores de risco de Covid-19 grave, particularmente entre os pacientes mais jovens. Além disso, um grande estudo britânico mostrou que, após o ajuste pelas comorbidades, a obesidade foi um fator importante associado à morte por Covid-19 durante a hospitalização.

Mas esta nova análise se destaca como o único conjunto de dados até hoje que especificamente “coloca a questão relativa à idade” de se a Covid-19 grave está ou não correlacionada a internação na UTI, disse o pesquisador.

A média de idade da população estudada nas unidades de tratamento intensivo foi de 55 anos, disse Dr. David, “e isso era mais jovem, não era o que esperávamos”.
“Mesmo com os 20 primeiros pacientes, já estávamos vendo pessoas mais jovens que definitivamente estavam acima do peso, com muitos pacientes tendo índice de massa corporal (IMC) acima de 35 kg/m2”, acrescentou. “A relação foi estreita, bem rápido.”

“Só não parta do princípio que algum de nós seja jovem demais para ser vulnerável quando, na verdade, se trata de um aspecto do nosso corpo”, afirmou o autor.

O Dr. Steven Heymsfield, médico, ex-presidente e porta-voz da The Obesity Society, concordou com as conclusões de Dr. David.

“Uma coisa que tínhamos em mente é que o protótipo da pessoa com essa doença é ser mais velho, mas agora, se tivermos um paciente sintomático, com 40 anos e obeso, não devemos pensar que tenha alguma outra doença”, disse Dr. Steven ao Medscape.

“Devemos pensar nestes pacientes como uma população suscetível.”

Dr. David e colaboradores concordaram. “Mensagens públicas direcionadas a adultos mais jovens, diminuindo as exigências para fazer o teste do vírus nas pessoas obesas e aumentando a vigilância nessa população em risco, devem reduzir a prevalência de Covid-19 grave entre as pessoas com obesidade”, afirmaram os pesquisadores.

“Acho que é uma adaptação mental do ponto de vista da saúde, o que esperamos poder ajudar a alcançar as pessoas que estão em maior risco antes que elas tenham problemas”, disse Dr. David.

A tríade de mecanismos explica riscos adicionais

Dr. David e coautores escreveram que, ao analisar seus dados, previram resultados semelhantes ao maior estudo feito com 1.591 pacientes internados em UTI na Itália, nos qual apenas 203 tinham menos de 51 anos. As comorbidades comuns entre esses pacientes foram hipertensão arterial sistêmica, doença cardiovascular e diabetes tipo 2, com dados semelhantes aos relatados na China.

Quando a epidemia de Covid-19 tomou fôlego nos Estados Unidos, a idade avançada também foi identificada como fator de risco. A obesidade ainda não havia sido acrescentada a esta lista, observou o Dr. David. Mas, após conversas informais com colegas de outras UTI norte-americanas, o médico decidiu investigar mais a fundo se este poderia ser um fator de risco subestimado.

Dr. David e colaboradores fizeram uma rápida avaliação da relação entre o IMC e a idade dos pacientes com Covid-19 internados nas UTI dos hospitais Johns Hopkins, University of Cincinnati, New York University, University of Washington, Florida Health e University of Pennsylvania.
A “importante correlação inversa entre a idade e o IMC” mostrou que os pacientes mais jovens internados na UTI tinham maior probabilidade de ter obesidade, sem diferença por sexo.

A mediana do IMC entre os participantes do estudo foi de 29,3 kg/m2, com apenas um quarto tendo IMC < 26 kg/m2 e outros 25% apresentando IMC > 34,7 kg/m2.

O Dr. David reconheceu que não era possível, com este simples conjunto de dados, explicar qualquer outro possível fator de confusão, mas disse ao Medscape que, “embora o diabetes, as doenças cardiovasculares e a hipertensão, por exemplo, possam cursar com a obesidade, isso costuma ser menos comum nas populações mais jovens, pois leva tempo para as comorbidades se instalarem”.

O pesquisador disse que vários mecanismos podem explicar por que a obesidade predispõe esses pacientes às formas mais graves da Covid-19.

Por um lado, a obesidade aumenta a pressão no diafragma em supinação, comprometendo a respiração.

“A obesidade mórbida em si é um estado pró-inflamatório”, continuou o autor.

“Aqui temos uma infecção viral na qual os primeiros relatos sugerem que as tempestades de citocinas e a incapacidade imunitária de combater o vírus são o motivo pelo qual a infecção é muito mais grave do que outras formas de coronavírus que já vimos antes.” Portanto, se alguém já tem um estado pró-inflamatório subjacente, esse pode ser o motivo pelo qual o risco é maior.”

Além disso, o receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ECA 2), ao qual o vírus SARS-CoV-2 (sigla do inglês, Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2) que causa a Covid-19 se liga, é expresso em maior quantidade no tecido adiposo do que no pulmão, observou Dr. David.

“Isso pode se transformar em um tipo de depósito de replicação viral”, explicou ele. “Você pode estar produzindo mais vírus em decorrência da obesidade.”

Mensagens públicas sobre riscos e testagem mais rápida

Com uma prevalência de obesidade de cerca de 40% nos Estados Unidos, os resultados são particularmente relevantes para os norte-americanos, dizem Dr. David e Dr. Steven, observando que o “cinturão de obesidade” no país está no sul.

O Dr. Steven, que não participou da análise em tela, observou que as mensagens públicas sobre os riscos da forma grave de Covid-19 para os adultos jovens com obesidade são “complicadas”, especialmente porque o vírus “ainda é muito comum em pessoas não obesas”.

O Dr. David concordou, ressaltando: “É difícil atrair 40% da população e dizer: ‘Vocês precisam cuidar disso.”

Mas, o número cada vez maior de descobertas da pesquisa precisa estabelecer uma relação entre a obesidade as formas graves de Covid-19, e talvez testar os pacientes dessa categoria para o vírus antes de os sintomas se agravarem.

E, como a falta de ar é comum entre as pessoas com obesidade, independentemente de qualquer doença, sintomas semelhantes da Covid-19 podem pegar essas pessoas de surpresa, indicou Dr. Steven, que também é professor no Metabolism and Body Composition Lab no Pennington Biomedical Research Center da Louisiana State University, Baton Rouge.

As pessoas com obesidade podem “não conseguir respirar, e a preocupação é que eles esperem muito tempo até procurar atendimento”, disse o médico. Normalmente, as pessoas podem deteriorar clinicamente entre o sétimo e o décimo dia após a infecção pelo SARS-CoV-2.

As pessoas obesas “precisam ser orientadas a reconhecer que as complicações graves da Covid-19 frequentemente aparecem de repente, embora a pessoa já esteja infectada há algum tempo”, concluiu o pesquisador.

Dr. David Kass e Dr. Steven Heymsfield informaram não ter conflitos de interesses.

Lancet. Publicado on-line em 30 de abril de 2020. 

Referência: https://portugues.medscape.com/verartigo/6504903#vp_2