O rastreamento do câncer colorretal tem sido recomendado para pessoas a partir dos 50 anos há muito tempo nos Estados Unidos. Um estudo feito com idosos do sistema de saúde Veterans Affairs mostrou que a colonoscopia reduziu a mortalidade por câncer colorretal em até 70%, mesmo não alcançando a participação esperada.
Então, qualquer argumento contra o uso da colonoscopia para rastreamento seria ignorância, certo?
Bem, sim e não. Embora seja provável que a colonoscopia venha a ser a melhor estratégia de rastreamento na luta contra o câncer colorretal, “se você quiser evidências de estudos randomizados a favor da colonoscopia, não haverá nenhuma por pelo menos três a quatro anos”, disse, o Dr. Michael Bretthauer, médico da Universitetet i Oslo, na Noruega.
O Dr. Michael é o pesquisador responsável por um estudo populacional sobre o rastreamento de câncer colorretal realizado em Polônia, Noruega, Holanda e Suécia. Os resultados interinos deste estudo, indicaram que 0,5% dos mais de 31.000 participantes submetidos à colonoscopia para rastreamento tinham câncer colorretal. Além disso, cerca de 30% dos participantes tinham adenomas, e quase metade tinha algum tipo de pólipo.
Portanto, não é surpreendente que a colonoscopia reduza a mortalidade por câncer colorretal. A maioria dos tumores evolui a partir de adenomas benignos, e já foi demonstrado que a sua remoção durante a colonoscopia previne cerca de 80% dos casos de câncer.
No entanto, muitos participantes do estudo feito pelo Dr. Michael e colaboradores se recusaram a fazer a colonoscopia. A aceitação variou de cerca de 23% (a mais baixa) na Holanda até cerca de 61% (a mais alta) na Noruega. O antigo ditado que diz que o melhor remédio do mundo só funcionará se for tomado se torna crucial em qualquer avaliação dos benefícios da colonoscopia, como destacaram vários pesquisadores.
“Os ensaios clínicos randomizados são imperativos para avaliar cuidadosamente o equilíbrio dos benefícios e contrapartidas da colonoscopia de rastreamento”, segundo Dr. Michael e colaboradores.
Como essa evidência ainda não existe, as diretrizes europeias ainda não recomendam a colonoscopia como estratégia de rastreamento para pessoas de risco médio.
Como só haverá evidências de ensaios clínicos randomizados a favor da colonoscopia disponíveis daqui a alguns anos, é razoável considerarmos as possíveis limitações do procedimento, mesmo quando feito por especialistas. Intuitivamente, a maioria das pessoas acredita que um exame que permita a visualização de todo o cólon deve ser melhor do que os métodos que visualizam apenas a metade do cólon (sigmoidoscopia flexível) ou do que os que avaliam o sangue nas fezes – teste de sangue oculto nas fezes com guaiaco (gFOBT, sigla do inglês Guaiac-Based Fecal Occult Blood Test) ou o teste imunoquímico fecal (FIT, sigla do inglês Fecal Immunochemical Test).
No entanto, depende da parte do cólon a ser examinada – a parte proximal ou distal, englobando o sigmoide e o reto.
“Honestamente falando, quando você pensa sobre o cólon ascendente, as lesões ou lesões precursoras que podem estar lá são muito mais difíceis de serem detectadas e muito mais difíceis de ressecar do que as do cólon distal”, disse o Dr. Michael Kaminski, Ph.D., médico do Centrum Onkologii–Instytut im. Marii Skłodowskiej-Curie em Varsóvia, na Polônia.
Estudos observacionais mais antigos mostraram que as mortes por câncer colorretal que podem ser prevenidas pela colonoscopia são quase inteiramente limitadas aos tumores que se desenvolvem no cólon descendente, não no cólon ascendente.
Mesmo se os estudos mais recentes refutarem esses achados — p. ex., Dr. Michael e colaboradores informaram altas taxas de detecção dos adenomas de baixo e alto risco tanto na parte proximal como na parte distal do cólon — não há dúvida de que há variação significativa entre os endoscopistas. A competência de cada médico ao realizar a colonoscopia de rastreamento pode influenciar a probabilidade de detecção de alguma lesão, independentemente de sua localização.
“Quando você vê da perspectiva populacional, o que mais conta é o quanto o exame é aceito pela sociedade”, reiterou o Dr. Michael.
Na Europa, a aceitação da colonoscopia de rastreamento pode estar muito distante, dada a evidência relativamente recente de que muitos europeus são avessos ao risco de um exame tão invasivo quanto a colonoscopia.
Rastreamento por sigmoidoscopia
Diferentemente da colonoscopia, há boas evidências de que o rastreamento do câncer colorretal por meio da sigmoidoscopia flexível reduz a incidência e a mortalidade. Ainda usada em alguns países, é recomendada nos Estados Unidos, embora raramente seja usada.
Em um dos ensaios clínicos mais recentes – o estudo sobre câncer de próstata, pulmão, colorretal e ovário – pesquisadores norte-americanos relataram que na mediana de acompanhamento de aproximadamente 16 anos da incidência de câncer colorretal e de 17 anos da mortalidade, a incidência foi 18% menor e mortalidade foi 25% mais baixa entre os adultos que fizeram sigmoidoscopia flexível no início do estudo e novamente no terceiro ou quinto anos.
Infelizmente, a redução da mortalidade se limitou às lesões detectadas no segmento distal do cólon; não houve efeito significativo na mortalidade das lesões no segmento proximal. Cabe destacar ainda que a redução da mortalidade também foi significativamente maior entre os homens do que entre as mulheres, bem como entre os pacientes dos 65 aos 74 anos de idade ao início do estudo em comparação aos pacientes mais jovens.
“A sigmoidoscopia flexível ainda é um dos métodos de rastreamento do câncer colorretal mais eficazes e comprovados de que dispomos”, disseram, os coautores Dr. Eric Miller, Ph.D., e Dr. Paul Pinsky, Ph.D., ambos do National Cancer Institute em Rockville, Maryland.
Isso, no entanto, não impediu o declínio abrupto do uso para o rastreamento do câncer nos Estados Unidos. Atualmente, apenas cerca de 5% de todo rastreamento do câncer colorretal é feito por este método.
“Na cultura norte-americana nós temos tendência a exagerar”, reconheceu o Dr. Paul. Pelo menos parte deste declínio é a crença de que visualizar todo o cólon (pela colonoscopia) é melhor do que visualizar apenas a metade (como na sigmoidoscopia).
Além disso, outros estudos mostraram que a sigmoidoscopia flexível, oferecida como teste de rastreamento feito uma única vez, é eficaz na redução da incidência e da mortalidade do câncer colorretal entre os homens, mas tem pouco ou nenhum efeito entre as mulheres, pelo menos na Noruega. Isso pode significar que o risco de lesão proximal do cólon seja maior para as mulheres do que para os homens – embora não tão drástico – e, portanto, o risco de uma lesão proximal ser negligenciada na colonoscopia e não ser visualizada na sigmoidoscopia também é maior, disse o Dr. Eric.
“Em geral, acredita-se que a colonoscopia deve ser mais eficaz do que a sigmoidoscopia, mas realmente precisamos comprovar isso, e essa comprovação só estará disponível daqui a muitos anos”, reafirmou o Dr. Michael.
Exames de fezes não invasivos para rastreamento do câncer colorretal
Em contrapartida aos exames invasivos, como a colonoscopia e a sigmoidoscopia, exames de fezes não invasivos podem ser usados para rastreamento do câncer colorretal. Tanto o gFOBT quanto o FIT ainda são amplamente utilizados na Europa, e ambos são recomendados como ferramenta de rastreamento nos Estados Unidos.
O exame FIT mais recente é muito mais preciso na detecção do câncer e de adenomas do que o gFOBT, embora não tenha sido comparado à colonoscopia em nenhum ensaio clínico randomizado.
Isso será corrigido daqui a alguns anos, disse, o Dr. Enrique Quintero, Ph.D., médico do Hospital Universitario de Canarias em Tenerife, na Espanha, e pesquisador corresponsável pelo estudo COLONPREV. O outro pesquisador corresponsável é o Dr. Antoni Castells, Ph.D., Hospital Clínic i Provincial de Barcelona, na Espanha.
O COLONPREV compara o FIT realizado a cada dois anos à colonoscopia realizada apenas uma vez na redução da mortalidade do câncer colorretal em uma população de risco médio.
Um relatório interino deste estudo, publicado em 2012, mostrou que aproximadamente 26.000 homens e mulheres foram encaminhados para a colonoscopia, e aproximadamente o mesmo número fez FIT. Como tem sido visto em outros estudos europeus, apenas cerca de um quarto dos participantes encaminhados para a colonoscopia concordou em fazer o procedimento. Por outro lado, mais de um terço dos pacientes encaminhados para o FIT o fizeram. Curiosamente, os índices de detecção de câncer colorretal foram idênticos nos dois grupos, de 0,1%, embora adenomas um pouco mais avançados tenham sido encontrados no grupo da colonoscopia do que no grupo FIT, 1,9% vs. 0,9% (P < 0,001).
É importante ressaltar, no entanto, que um número muito menor de adenomas não avançados – e possivelmente sem significado clínico – foi encontrado entre os participantes do FIT, apenas 0,4%, comparado a quase 10 vezes esse número, ou 4,2%, no grupo da colonoscopia (P < 0,001). Entre aqueles rastreados pelo FIT, cerca de 7% tiveram resultado positivo. A maioria desses pacientes fez colonoscopia subsequente. O fato de a colonoscopia ter detectado mais adenomas avançados e não avançados do que o FIT é compreensível, uma vez que permite a visualização direta do cólon, reconheceu o Dr. Enrique.
“No entanto, o importante é que o índice de detecção do câncer colorretal precoce foi o mesmo entre as duas técnicas”, acrescentou. Também é significativo que a primeira rodada do FIT no estudo tenha detectado cerca de metade do número de adenomas avançados em comparação à colonoscopia. Com exames FIT adicionais à medida que os participantes avançavam no estudo, mais adenomas de alto risco devem ser detectados, disse o Dr. Enrique. Também cabe destacar que a detecção de adenomas sem significado clínico e de baixo risco foi muito menos provável com o FIT, poupando uma proporção significativa dos pacientes – e das clínicas espanholas de endoscopia já estão sobrecarregadas – do fardo de ter de agendar uma colonoscopia de acompanhamento.
Isso, resumidamente, é o que o Dr. Enrique considera como uma das principais vantagens do FIT.
Nos Estados Unidos, recomenda-se que pacientes com adenomas de baixo risco façam colonoscopia de acompanhamento, aumentando de fato a demanda nas unidades de endoscopia em todo o país e possivelmente interferindo no acesso ao rastreamento adequado dos pacientes sintomáticos. Usar inicialmente o FIT, significa que os pacientes com lesões sem relevância clínica não estarão abarrotando as filas, pelo menos não imediatamente, mantendo livre o acesso para aqueles que realmente precisam da colonoscopia.
A outra vantagem importante do FIT é a maior disposição das pessoas (pelo menos na Europa) em participar do rastreamento do câncer colorretal com este método.
“A menor participação no grupo da colonoscopia vista no COLONPREV e a natureza recorrente do rastreamento por FIT podem reduzir a aparente vantagem da colonoscopia”, afirmaram o Dr. Enrique e colaboradores.
Projeções futuras
Nos Estados Unidos, é muito provável que a colonoscopia continue a ser o método predominante de rastreamento do câncer colorretal, independentemente dos resultados dos estudos randomizados.
Os estudos de sigmoidoscopia demonstraram que as mulheres não se beneficiam com essa técnica, fazendo com que os responsáveis pelas políticas de saúde do Reino Unido, da Noruega e da Itália modificassem as suas recomendações de rastreamento do câncer colorretal. Nesses países, as recomendações provavelmente não irão mais indicar a sigmoidoscopia, devido ao seu baixo desempenho para as mulheres.
Dr. Michael disse que na Polônia, um novo projeto de rastreamento não inclui a sigmoidoscopia. Os participantes terão como primeira opção a colonoscopia e, caso a recusem, o FIT.
Embora as evidências dos estudos randomizados sejam ansiosamente aguardadas por todos aqueles que têm interesse em manter baixa a incidência do câncer colorretal, a comunidade médica nos Estados Unidos já está convencida de que a colonoscopia é o único caminho a seguir.
“Embora não existam evidências de estudos randomizados, a maioria de nós acredita que há tantas evidências circunstanciais a favor da colonoscopia quanto para a sigmoidoscopia em termos de benefício”, disse o Dr. Paul.
“Assim, mesmo considerando o uso intensivo de recursos na colonoscopia, não queremos perder de vista o fato de este exame ter uma verdadeira história de sucesso no combate ao câncer, provavelmente apenas o câncer de colo do útero teve maior redução de incidência e mortalidade do que o câncer colorretal”, acrescentou.
Dr. Michael Bretthauer é membro do conselho científico da Exact Sciences e recebeu financiamento para equipamentos para estudos da Olympus, Fujinon, Falk Pharma e CCS Healthcare. Dr. Michael Kaminski recebeu honorários da Olympus, Alfa Sigma, Norgine e Fujifilm. Dr. Enrique Quintero atuou como consultor da Sysmex España. Dr. Eric Miller e Dr. Paul Pinsky informaram não ter conflitos de interesses relevantes.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.
Referência: https://portugues.medscape.com/verartigo/6503448#vp_4