As cirurgias bariátricas estão sendo cada vez mais realizadas ao redor do mundo, esse aumento está relacionado à epidemia de obesidade e aos ótimos resultados relacionados ao procedimento cirúrgico, não só na redução de peso mas também resolução de comorbidades metabólicas tais como: diabetes, hiperlipidemia, hipertensão arterial sistêmica, esteatose hepática, entre outras.
Os pacientes submetidos a cirurgia bariátrica precisam de acompanhamento periódico.
A falta de acompanhamento pode resultar no aparecimento de deficiências nutricionais.
Seguem algumas dicas de como fazer esse acompanhamento e quais as principais deficiências:
Deficiência de macronutrientes
A principal deficiência de macronutrientes é a desnutrição proteica. É importante reconhecer que a desnutrição proteica talvez seja consequência do tipo de alimentação, mas ela também depende do tipo de cirurgia que os pacientes foram submetidos. As cirurgias mais extensas, como a cirurgia de derivação biliopancreática ou as cirurgia de derivação gástrica em Y de Roux com maior derivação intestinal, podem resultar em comprometimento da absorção de proteínas.
O acompanhamento periódico com a nutricionista, revendo sistematicamente a dieta consumida e a qualidade dos alimentos é fundamental. Pode ser realizada a monitoração da albumina e com a pré-albumina nas situações em que a desntrição seja mais evidente e nos casos em que precisamos verificar a resposta às intervenções nutricionais.
Deficiências de vitaminas
A deficiência de micronutrientes (ex: vitaminas) é a mais comum após procedimentos bariátricas com desvio intestinal (derivação gástrica em Y de Roux e derivação biliopancreática)
Estes micronutrientes não podem ser sintetizados; é preciso ingeri-los. Existem as vitaminas hidrossolúveis e as lipossolúveis. As vitaminas lipossolúveis são A, D, E e K, que claramente podem ser mal absorvidas, tendo como consequência determinados estados patológicos.
Quanto à deficiência de vitaminas lipossolúveis (por exemplo, a vitamina A, queratinas), os pacientes podem apresentar alguns sinais e/ou sintomas visuais comuns e também alguns sinais muito inespecíficos, como xerodermia, cabelos secos e prurido. Reconheça a natureza sutil desses tipos de apresentação, e o fato de que você precisa estar realmente alerta ao começar avaliar estas condições.
A deficiência de vitamina D é muito comum após a cirurgia bariátrica, sendo necessário monitorá-la regularmente. Nós monitoramos particularmente a 1,25-di-hidroxivitamina D. As dosagens séricas isoladas de cálcio não são adequadas para acompanhar estes pacientes, que podem permanecer um longo período com os níveis de cálcio normais. A excreção urinária de cálcio é uma boa maneira de avaliar isso, mas essa excreção pode ser alterada e acelerada pelo uso concomitante de diuréticos. Se um paciente for hipertenso ou estiver usando algum diurético para edema, o cálcio urinário também pode estar aumentado. O acompanhamento dos níveis séricos de 1,25 hidroxivitamina D total e de cálcio em urina de 24 horas é importante.
A deficiência de vitamina E é relativamente incomum. Quando os pacientes apresentam este quadro, exibem sinais muito inespecíficos, como ataxia, sintomas neurológicos, perda da sensação de vibração, fraqueza muscular e podendo ter algumas vezes anemia hemolítica. É muito inabitual neste grupo de pacientes, mas, novamente, algo a ser levado em conta.
A vitamina K é absorvida principalmente no jejuno e no íleo. Como habitualmente uma extensão grande do intestino delgado é preservado na derivação gástrica em Y de Roux, esta deficiência é menos comum. Os pacientes com deficiência de vitamina K podem ter distúrbios da coagulação. Tenha em mente a grande importância da vitamina K, fundamental não somente para a formação da protrombina, como para os fatores da coagulação VII, IX e X, assim como para a proteína C e a proteína S. Estes são essencialmente os fatores necessários para uma coagulação adequada. Mais uma vez, essa deficiência não é comum no paciente submetido à cirurgia bariátrica, mas deve ser considerada no contexto apropriado.
Vitaminas hidrossolúveis
A tiamina (vitamina b1) é uma das principais vitaminas a serem monitoradas, pois sua deficiência pode ocasionar complicações irreversíveis se não for diagnosticada prececemefte. Ela pode cursar com a clássica encefalopatia de Wernicke que é comumente identificada em paciente com alcoolismo crônico. Esta deficiência acontece principalmente nos pacientes que tem vômitos de repetição e intolerâncias alimentares. Há pacientes com má absorção, mas há também aqueles com crescimento bacteriano exuberante no intestino delgado, refratários à reposição de tiamina e que respondem aos antibióticos direcionados ao quadro de base.
A aferição mais precisa da deficiência de tiamina é a dosagem da transcetolase eritrocitária. Pode não ser um teste que esteja imediatamente disponível no seu laboratório, mas é a melhor avaliação. Nós dosamos os níveis de tiamina de rotina, embora seja fundamental lembrar que é para dosar a tiamina no sangue total e não apenas a tiamina sérica. Os depósitos de tiamina podem ainda assim estar sub-representados, mas se você for dosar os níveis de tiamina destas pessoas (você deve fazê-lo de rotina), precisa se lembrar da tiamina no sangue total. Certamente, quando os pacientes apresentam problemas, em especial náuseas e vômitos importantes, eles precisam de reposição de tiamina.
A deficiência de algumas outras vitaminas hidrossolúveis, tais como a riboflavina e a niacina, é muito rara nessa população, mas trata-se de uma deficiência que pode ser muito versátil em suas manifestações. Os pacientes com deficiência de riboflavina podem apresentar estomatite, anemia ou dermatite escamosa, ao passo que na deficiência de niacina a apresentação clássica é o exantema da pelagra. Estas são deficiências muito pouco habituais, mas também podem apresentar sinais e/ou sintomas neurológicos, dermatológicos ou até mesmo alguns sintomas gastrointestinais, principalmente náuseas e vômitos.
A deficiência de folato também é algo a ser considerado, particularmente para os pacientes com derivação mais extensa. Altos níveis de folato podem também ajudar a identificar o quadro de crescimento bacteriano exuberante, o que para alguns pacientes é uma consequência da cirurgia bariátrica.
A deficiência de vitamina B12 foi muito bem descrita como deficiência nutricional pós cirurgia pós-bariátrica, dada a forma como normalmente aparece. Isto se deve à deficiência do fator intrínseco responsável pela absorção da vitamina B12 no íleo distal. Além disso, ocorre uma relativa acloridria após a cirurgia bariátrica, de modo que parte da vitamina B12 ingerida pode não sofrer o processo desconjugação necessário para facilitar sua absorção. Isto é algo que também pode ser complicado com o crescimento bacteriano exuberante, que pode acelerar o metabolismo da vitamina B12, promovendo assim a deficiência dela. A vitamina B12 precisa de ser dosada de rotina nestes pacientes.
Oligoelementos
Quanto aos oligoelementos, o zinco é aquele a ser lembrado. O zinco, como se sabe, tem um papel de destaque como antioxidante celular. Isso pode ocasionar vários sinais e/ou sintomas, tais como manifestações cutâneas, alopecia, glossite, alterações distróficas ungueais, exantemas clássicos e a acrodermatite enteropática, observada na deficiência de zinco grave.
A absorção de ferro é obviamente um problema, posto que a derivação ultrapassa o intestino proximal, principal local de absorção deste elemento. São pacientes que podem ter acloridria relativa porque o fundo gástrico não tem muito ácido. Esta absorção do ferro não-heme obtido de fontes vegetais e desviada do duodeno e do jejuno proximal pode agravar a deficiência de ferro. Mulheres com ciclo menstrual também podem apresentar deficiência de ferro com relativa frequência, principalmente aquelas com fluxo menstrual exagerado, como nos casos de mimosa uterinos.
O cobre tem um mecanismo de transporte conjunto semelhante ao zinco e a deficiência deste elemento pode realmente ser problemática. Se você estiver prescrevendo suplementos vitamínicos líquidos para os seus pacientes, lembre que eles podem estar com deficiência de cobre. Isso é algo que você precisa verificar semestral ou anualmente, principalmente três anos depois da cirurgia. A deficiência de cobre pode induzir algumas alterações hematológicas e profundas alterações neurológicas.
A deficiência de zinco, ferro e cobre deve ser considerada e monitorada de rotina.
O que devemos observar
Quando se atende alguém que foi submetido à cirurgia bariátrica é preciso tentar associar sinais e sintomas informados à possíveis consequências metabólicas ou nutricionais.
Algo simples como a anemia, pode ser vário fatores que contribuem como as deficiências do ferro à vitamina A, incluindo vitamina E, ácido fólico, zinco e cobre.
Existem também alguns déficits neurológicos profundos, sendo a neuropatia periférica o mais comum; ela também pode ser causada por uma variedade de deficiências de vitaminas, tais como niacina, vitamina B12 e vitamina E, além de cobre. Além disso, lembre-se de considerar a deficiência de tiamina. E se solicitar a dosagem da tiamina, avalie a tiamina do sangue total ou a transcetolase eritrocitária.
Distúrbios visuais são algo que você pode não pensar em perguntar, mas é por isso que é importante incluir na sua lista de verificação sobre os sinais e/sintomas a serem investigados nestes pacientes, relacionados com manifestações neurológicas, visuais e dermatológicas. Em relação aos sintomas visuais, a causa clássica é a deficiência de vitamina A, mas deficiências de tiamina e vitamina E também podem provocar déficits visuais.
No caso de doenças da pele, pense em deficiências de vitamina A, niacina e zinco. Estas deficiências estão classicamente associadas a doenças de pele e dermatites.
Recomendações finais
Com base nas recomendações para os casos de alterações metabólicas da sociedade de cirurgia bariátrica e metabólica e das diretrizes nacionais, é rotina orientar estes pacientes a tomarem vitaminas mastigáveis. Pode-se orientar os pacientes com derivação gástrica para ingerir uma vitamina mastigável duas vezes por dia, não as em forma de bala ou para engolir com água. A vitamina mastigável dispersa a substância, potencialmente permitindo uma melhor absorção dentro de um intervalo de absorção biológica limitado. Esta é uma rotina proativa que deve ser coordenada pelo cirurgião, nutricionista, clinico geral e endocrinologista.
Quais são as recomendações nacionais para o monitoramento após a cirurgia bariátrica?
Depende de há quanto tempo fizeram a cirurgia. Nos três primeiros meses, os pacientes são quase sempre monitorados pelo cirurgião. No pós-operatório, estes pacientes devem ser acompanhados a cada seis meses, em particular nos três primeiros anos, e a seguir uma vez por ano.
Os exames bioquímicos, além do hemograma completo, devem incluir lipidograma, ferritina, zinco, cobre, magnésio, vitamina A, 1,25-di-hidroxivitamina D, ácido fólico, tiamina do sangue total, vitamina B12 e calciúria em urina de 24 h. Estes são os exames que são realizados a cada seis meses durante os três primeiros anos e, a seguir, anualmente.
Você deve lembrar que este monitoramento deve ser feito durante toda a vida. Pacientes precisam ser proativos, se os seus médicos não estiverem fazendo isso. Não faz diferença se você é um médico do atendimento primário, um gastroenterologista, ou qual seja a sua especialidade – certifique-se de que esses pacientes estejam tomando vitaminas nas doses adequadas, recebendo cálcio elementar e sendo monitorados regularmente. É uma exigência para a vida toda, caso contrário várias anormalidades podem se instalar.
Referência: http://portugues.medscape.com/verartigo/6500980