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Dados de longo prazo sugerem “cura funcional” no câncer avançado

Os dados de sobrevida em longo prazo de alguns dos ensaios clínicos iniciais com o inibidor do ponto de checkpoint imunológico nivolumabe mostram que um percentual de pacientes com câncer avançado está vivendo por anos.

Os resultados de um estudo inicial de fase 1 publicado on-line pelo periódico JAMA Oncology em 25 de julho mostram uma “cauda longa” de sobrevida global, com um achatamento após três anos. A sobrevida global em cinco anos atingiu 34% em pacientes com melanoma, 28% naqueles com carcinoma de células renais e 16% em pacientes com câncer de pulmão não pequenas células (CPNPC).

A primeira autora, Dra. Suzanne L. Topalian, médica do Sidney Kimmel Comprehensive Cancer Center, Johns Hopkins Bloomberg–Kimmel Institute for Cancer Immunotherapy, nos Estados Unidos discutiu os resultados em uma entrevista no site do JAMA Oncology.
Embora falar de uma cura possa ser prematuro, esses resultados, em conjunto com outros, mostram que “alguns pacientes podem viver por anos, e podemos encarar isto como uma cura funcional pelo menos”, comentou a médica.

A Dra. Suzanne acrescentou que outros inibidores de checkpoint imunológico têm mecanismos de ação ligeiramente diferentes – alguns são contra o ligante de morte programada 1 (PD-L1, sigla do inglês,programmed death ligand

1) e alguns são medicamentos anti-PD-1.

No entanto, ela esperaria que “os resultados que estamos discutindo hoje pudessem ser generalizáveis para toda a classe de medicamentos”.

Em um editorial que acompanha o estudo, o Dr. Stefan Zimmermann e a Dra. Solange Peters, Ph.D., ambos médicos do Centre Hospitalier Universitaire Vaudois, na Suíça, disseram que colocar os resultados em contexto com os resultados obtidos antes da introdução do nivolumabe ressalta sua importância.

“Uma comparação com os controles históricos de 2008 apenas destaca a magnitude do ganho de sobrevida e a durabilidade do efeito do tratamento”, escreveram.

“A disponibilidade de estratégias de bloqueio da PD-1 terá inexoravelmente curvas de sobrevida modificadas em todos os ensaios clínicos iniciados após 2015 para múltiplos tumores sólidos, um fato que precisa ser considerado quando se analisa a sobrevida.”

Um dos primeiros ensaios do nivolumabe

Esses últimos resultados vêm de um estudo de fase 1 com 270 pacientes com neoplasias avançadas ou recorrentes (conhecidas como MDX1106-03 ou CA209-003), que foi o primeiro estudo multidose do nivolumabe.

Iniciado em 2008, incluiu inicialmente pacientes previamente tratados que tinham melanoma avançado, carcinoma de células renais, CPNPC, câncer colorretal ou câncer de próstata, mas os dois últimos foram interrompidos, pois estes tipos de câncer não responderam à imunoterapia. Mas os outros três tipos de câncer responderam, e atualmente, o nivolumabe e outros inibidores de checkpoint são indicações aprovadas para todos os três.

Em seu estudo, os autores apresentam os resultados de uma análise secundária baseada em 270 pacientes com melanoma (39,6%), carcinoma de células renais (12,6%) e CPNPC (47,8%).

Todos haviam recebido tratamento prévio: 40% tinham três ou mais terapias sistêmicas prévias contra o câncer, “então nós os consideramos altamente pré-tratados”, comentou a Dra. Suzanne.

Foi exigido que os pacientes, provenientes de 13 centros nos EUA, tivessem um status de desempenho do Eastern Cooperative of Oncology Group (ECOG) de 0 a 2 e uma doença mensurável nos Response Evaluation Criteria in Solid Tumors (RECIST) versão 1.0 ao ingressar no estudo.

A Dra. Suzanne explicou que todos os pacientes receberam nivolumabe “a cada duas semanas até no máximo dois anos se seus tumores se estabilizaram ou regrediram durante o tratamento”.

“Pelo fato de este ter sido um estudo de fase 1 e os pacientes tratados em diferentes coortes, tomando diferentes doses de nivolumabe, então a faixa de dose foi de 0,1 mg/kg a 10 mg/kg”.

A mediana do número de doses recebidas foi de 11 para pacientes com melanoma, 16 para pacientes com carcinoma de células renais e seis para pacientes com CPNPC.

A taxa de resposta objetiva, incluindo respostas parciais e completas, foi de 31,8% para pacientes com melanoma, 29,4% para pacientes com carcinoma de células renais e 17,1% para pacientes com CPNPC, com respostas que duraram uma mediana de 22,9 meses, 12,9 meses e 19,1 meses, respectivamente.

O acompanhamento mínimo foi de 58,3 meses de pacientes com melanoma, 63,9 meses de pacientes com carcinoma de células renais e 58,3 meses de pacientes com CPNPC.

A mediana da sobrevida global foi de 20,3 meses para pacientes com melanoma, 22,4 meses para pacientes com carcinoma de células renais e 9,9 meses para pacientes com CPNPC.

A equipe observou que as curvas de sobrevida global “mostraram uma inflexão em direção ao achatamento em torno de três anos” após o início do tratamento.

Melhor sobrevida em pacientes que tiveram eventos adversos

Pacientes que apresentaram eventos adversos relacionados com o tratamento tiveram uma sobrevida global significativamente melhor do que que não apresentaram eventos adversos.

Os pacientes que apresentaram eventos adversos com nivolumabe tiveram uma sobrevida mediana de 19,8 meses, aumentando para 20,3 meses entre aqueles com grau ≥ 3 de eventos adversos. Isto é mais de três vezes a mais do que a sobrevida mediana de 5,8 meses em pacientes que não apresentaram eventos adversos.

“Podemos tranquilizar nossos pacientes caso eles apresentem efeitos colaterais, isso pode colocá-los em uma categoria melhor de efeito de resposta”, comentou a Dra. Susanne.

“Também sabemos que os pacientes que precisam adiar o tratamento com nivolumabe ou até interromper totalmente devido a efeitos adversos ainda têm uma boa chance de apresentar respostas antitumorais duradouras”, acrescentou ela.

A Dra. Susanna disse que esta observação não tende a ser o resultado de um viés de duração do tratamento, no qual quanto mais tempo o paciente permanece fazendo o tratamento, mais chances de apresentar eventos adversos.

Ela disse: “Nós avaliamos a taxa de efeitos colaterais que ocorreram nos primeiros seis meses, ou nos próximos meses de tratamento, ou ao final dos dois anos.”

“Surpreendentemente, descobrimos que a maioria desses efeitos colaterais tende a ocorrer precocemente, e é por isso que não acreditamos que um viés de tempo está influenciando a associação de melhor resposta antitumoral com efeitos colaterais.”

A Dra. Suzanna explicou, no entanto, que a eficácia antitumoral do nivolumabe não pode ser dissociada dos seus eventos adversos relacionados ao sistema imunológico, “porque o mecanismo do medicamento explica ambos”.

“Estamos soltando os freios na resposta imunológica”, explicou ela. “Gostaríamos que ela fosse direcionada às células cancerígenas, mas às vezes essas respostas imunes exacerbadas também podem danificar os tecidos normais.”

“Há muita pesquisa em curso atualmente para tentar entender as diferenças entre esses dois processos, a resposta antitumoral ou a inflamação tecidual normal, para que possamos ser capazes de tratar os efeitos colaterais sem qualquer chance de interferir na atividade antitumoral”, comentou.

Os autores também observaram que os pacientes com uma grande carga tumoral no início tiveram pior sobrevida, e metástases ósseas ou hepáticas estavam associadas a uma probabilidade reduzida em 70% de sobrevivência em cinco anos.

Um bom status de desempenho ao iniciar o tratamento tornou 2,75 vezes mais provável sobreviver até cinco anos em comparação com pacientes com pior status.

Os autores esperam que essa identificação de fatores, associada à sobrevida em longo prazo “possa embasar abordagens de tratamento para pacientes individuais e estratégias para o desenvolvimento de ensaios clínicos sobre imunoncologia”.

Ineficiência em prever quem se beneficiará

Comentando sobre o editorial, a Dra. Solange disse que as curvas de sobrevida com o nivolumabe e outras imunoterapias têm uma “cauda longa” que pode incluir, no caso do melanoma, até 40% dos pacientes, mas os médicos atualmente são “extremamente ineficientes” em prever quem estará nesta cauda.

Certos fatores podem, no entanto, pelo menos sugerir quem não terá sobrevida em longo prazo.

Por exemplo, indivíduos com status de desempenho ruim, que foram enfraquecidos pela doença e provavelmente terão um sistema imune enfraquecido, têm menos chances de sobreviver em longo prazo.

A Dra. Solange afirmou que outro fator é o “famoso paradigma das metástases hepáticas”.

“Entre todas essas patologias, em particular tumores sólidos, parece que o fígado é um órgão no qual a resposta imune provavelmente ocorre em menor grau, ou com mais dificuldade, levando a fenótipos de resposta imunológica mais baixos em pacientes com metástases hepáticas.”

No câncer de pulmão, continuou ela, pacientes com alta expressão de PD-L1 têm mais probabilidade de resposta completa ou parcial à imunoterapia, o que “imediatamente faz o paciente estar em uma curva melhor, em termos de resultados em longo prazo”.

Ela advertiu: “No entanto, em todos esses modelos preditivos, você encontrará, aos cinco anos, pacientes que não preenchem nenhuma dessas condições”.

Por exemplo, a cauda longa incluirá pacientes que nunca fumaram, pacientes com mutação do receptor do fator de crescimento epidérmico ou com metástases hepáticas.

Consequentemente, os valores preditivos negativos que indicam quais pacientes não serão sobreviventes de longo prazo atualmente são “muito ruins”.

“Isso significa que ainda não podemos prever quais pacientes não devem receber imunoterapia”, explicou a Dra. Solange. O resultado é que, atualmente, praticamente todos os pacientes elegíveis acabam recebendo os medicamentos.

A respeito de quando a imunoterapia deve ser administrada, a Dra. Solange observou que os dados disponíveis mostram que a melhor resposta é vista nos pacientes virgens de tratamento.

Ela disse que, mesmo no estágio IV da doença metastática, a capacidade do sistema imunológico de responder aos medicamentos é maior em pacientes que não foram tratados anteriormente.

Para entender ainda mais o assunto, “precisamos realmente avaliar de forma detalhada os estudos com pacientes com metástase que tiveram a oportunidade de fazer imunoterapia como principal abordagem”, já que a sobrevida global pode aumentar de 15% para 25% ou até 30%, “o que já é uma boa notícia”.

A maior promessa, de gerar uma forte resposta imunológica e alcançar um benefício de longo prazo com a imunoterapia, é, no entanto, na doença precoce, já que “a maneira como o sistema imunológico pode controlar a doença localizada é completamente diferente”, comentou ela. Isto foi demonstrado em vários ensaios adjuvantes com melanoma.

Em outros tipos de câncer, os dados atuais vêm de apenas um pequeno número de pacientes, mas a magnitude do benefício observado na doença precoce é claramente muito maior do que a observada em pacientes no estágio IV.

“Mais do que apenas pacientes virgens de tratamento, acho que a doença precoce é o nicho específico no qual a imunoterapia pode realmente dobrar sua eficácia no futuro”, explicou a Dra. Solange.

“Precisamos ver mais dados, mas há muitos estudos adjuvantes e neoadjuvantes em andamento sobre tumores sólidos, começando com o melanoma, onde os resultados foram inesperadamente melhores do que na doença avançada.”

“Acho que vai aprimorar o conhecimento sobre o câncer avançado”, disse ela.

Por quanto tempo continuar?

Notavelmente, no entanto, a discussão sobre a duração ideal do tratamento persiste.

A Dra. Solange observou que uma pequena nota de cautela surgiu por causa dos dados apresentados por Herbst e colaboradores no congresso de 2018 da ESMO Immuno-Oncology,sobre dados de longo prazo do estudo KEYNOTE-010 sobre pembrolizumabe para o CPNPC avançado.

Eles mostraram que, apesar de a maioria dos pacientes ter uma remissão completa durável aos dois anos de tratamento, 30% daqueles com doença controlada aos dois anos progrediram dentro de um ano da interrupção.
Ainda não sabemos quando interromper esses inibidores de checkpoint. Dra. Solange Peters

“É claro que é apenas observação”, disse a Dra. Solange, “mas, por enquanto, isso me faz pensar que ainda não sabemos quando interromper esses inibidores de checkpoint, e fico preocupada em interrompê-los toda vez que tenho essa discussão”.

O estudo foi financiado pela Bristol-Myers Squibb.

Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico

Referência: https://portugues.medscape.com/verartigo/6503865#vp_4