Chicago, EUA — Um programa regular de exercícios vigorosos pode reduzir significativamente a mortalidade por todas as causas e por causas específicas em adultos sobreviventes de câncer infantil, conclui um novo estudo.
“Esses achados podem ser importantes para a grande e rapidamente crescente população global de adultos sobreviventes de câncer infantil, que apresentam um risco significativamente maior de mortalidade por vários riscos competitivos”, comentam os autores.
O estudo, liderado pelos pesquisadores Jessica M. Scott, PhD, e Lee W. Jones, PhD, ambos do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, em Nova York (EUA), foi publicado on-line em 3 de junho no periódico JAMA Oncology e também apresentado na American Society of Clinical Oncology (ASCO) 2018.
“Nossas descobertas são compatíveis com a profusão de dados disponíveis sobre a população em geral, mostrando que a prática de exercícios regulares está associada a reduções substanciais da mortalidade por todas as causas e por causas específicas”, escrevem os autores do estudo.
No entanto, em comparação com a população em geral, os sobreviventes de câncer têm um risco elevado de mortalidade por recidiva da doença, bem como decorrente dos efeitos cardiovasculares tardios associados ao tratamento do câncer, observou Jones.
“Trata-se de uma doença de fisiopatologia diferente, por isso não estava claro se a prática de exercícios também seria eficaz nesta situação singular, mas foi”, disse Jones ao Medscape.
A equipe descobriu que a exposição a exercícios, em uma métrica de 15 a 18 METs (do inglês Metabolic Equivalent Task) por semana, o que representa uma caminhada rápida durante cerca de 60 minutos por dia, cinco dias por semana, “pareceu ser a dose ideal”. Além disso, o benefício foi atenuado, “sugerindo a existência de um limiar superior, pelo menos nessa coorte ímpar de adultos sobreviventes de câncer infantil”.
“Tudo o que queremos dos médicos é que recomendem a prática regular de exercícios aos pacientes sobreviventes de câncer na infância, sempre que indicado”, disse Jones ao Medscape.
“Vai levar algum tempo até isso ter um impacto positivo no comportamento dos pacientes”, acrescentou o pesquisador.
Os sobreviventes de câncer infantil devem procurar um profissional de educação física capacitado, de preferência alguém com experiência ou especialização em câncer, sugeriu Jones. O estudo mostrou que um aumento de cerca de 40 minutos de atividades vigorosas por semana foi associado a um benefício significativo para a saúde, o que também atende às diretrizes nacionais de atividade física para sobreviventes de câncer – de 150 minutos de prática de exercícios regulares de intensidade moderada por semana ou cinco dias por semana durante 30 minutos –, disse o autor.
Detalhes do estudo
Os novos resultados vêm de uma análise de coorte de 15.450 participantes do estudo longitudinal Childhood Cancer Survivor Study. A equipe encontrou uma associação inversa significativa entre a prática de exercícios e a mortalidade por todas as causas após um acompanhamento médio de 10 anos. Isso foi observado após o ajuste por doenças crônicas, como doença cardiovascular (DCV), e as principais exposições ao tratamento, disseram os pesquisadores.
Em 15 anos, a incidência cumulativa de mortalidade por todas as causas foi de 11,7% entre os participantes que não praticavam exercícios, 8,6% para aqueles com três a seis horas de MET por semana, 7,4% para aqueles com nove a 12 horas de MET por semana, e 8,0% para os com 15 a 21 horas de MET por semana.
Essa aparente ausência de uma relação entre a dose dos exercícios e a morte vai de encontro “a alguns, mas não todos os estudos”, comentam os pesquisadores.
Em um subconjunto de 5.689 sobreviventes, o aumento da prática de exercícios vigorosos em uma média de oito METs por semana durante oito anos foi associado a uma redução ajustada de 40% da mortalidade por todas as causas quando comparado aos pares que mantiveram um baixo nível de exercício de três a seis METs por semana ou menos
Questionários preenchidos pelos próprios pacientes
Para este estudo, os pesquisadores analisaram os dados sobre a frequência de exercício informada pelos próprios pacientes a partir de dois questionários diferentes preenchidos pelos participantes do CCSS após a inclusão no estudo. Todos os sobreviventes foram diagnosticados antes dos 21 anos de idade e tratados em 27 hospitais pediátricos terciários nos Estados Unidos e no Canadá entre 1º de janeiro de 1970 e 31 de dezembro de 1999.
No questionário inicial, feito em uma mediana de 17,8 anos após o diagnóstico do câncer, os participantes do CCSS foram indagados quantas vezes nos últimos sete dias eles haviam se exercitado a ponto de transpirar ou praticado esportes durante 20 minutos. A mediana de idade dos que responderam ao questionário foi de 25,9 anos e 52,8% eram do sexo masculino.
O questionário mostrou que os sobreviventes que praticavam exercícios vigorosos com frequência tiveram o diagnóstico de câncer mais jovens, tinham maior probabilidade de não fumar, e tinham menos fatores de risco de doença cardiovascular e de doenças crônicas de grau 3 e 4 de gravidade.
Em uma mediana de 9,6 anos após o questionário inicial, os participantes fizeram uma reavaliação da probabilidade de praticar exercícios vigorosos em uma enquete de acompanhamento. Dos 70% que indicaram alteração do comportamento de prática de exercícios, 40% informaram que estavam se exercitando com menos frequência do que na pesquisa anterior, 20% disseram que estavam se exercitando com mais frequência, e 10% disseram que mantiveram a prática anterior de exercícios vigorosos.
Os sobreviventes que mantiveram ou aumentaram a frequência de exercícios tiveram maior probabilidade de não ser fumantes e menor propensão a ter comorbidades preexistentes do que os participantes que faziam pouco ou nenhum exercício, disseram os pesquisadores.
No período entre as enquetes inicial e de acompanhamento, ocorreram 1.063 óbitos na coorte: 120 devido à recidiva ou progressão do câncer primário, e 811 decorrentes de causas relacionadas com a saúde, como doença cardiovascular.
Para minimizar o risco de viés de causalidade reversa associado aos estudos observacionais, os pesquisadores ajustaram todas as análises por covariáveis clínicas que poderiam ter alterado a relação entre a prática de exercícios e os desfechos clínicos. Os autores também realizaram procedimentos analíticos para excluir os participantes com recidiva ou neoplasias malignas subsequentes ao início do estudo.
“Dadas essas medidas e a sistemática de nossas descobertas em termos de vários dos resultados, afirmamos que nossas descobertas, em conjunto com trabalhos anteriores, corroboram a conclusão geral de que a prática de exercícios confere benefícios significativos à saúde para os sobreviventes de câncer”, dizem os pesquisadores.
“No entanto, a contribuição dos fatores de confusão não pode ser desconsiderada, e somente os dados provenientes de ensaios clínicos randomizados podem comprovar inequivocamente a causalidade”.
Discutindo o estudo em questão na reunião da ASCO, a Dra. Leontien Kremer, PhD, do Emma Children’s Hospital and Academic Medical Center, em Amsterdã (Holanda), disse que este é “um estudo realmente importante” e “de altíssima qualidade”.
“O estudo apresenta uma análise multivariada, e isso é realmente importante, porque há muitos fatores de confusão entre um estilo de vida saudável e os desfechos”, continuou a Dra. Leontien, “como a alimentação e o consumo de álcool”.
A Dra. Leontien também comentou que a dose ideal de exercício identificada neste estudo é “uma grande quantidade de exercícios, porque são exercícios vigorosos. Não é apenas uma caminhada ou algo no gênero”.
“Outra questão importante para os sobreviventes de câncer infantil é: todos os sobreviventes podem praticar esportes?”, questionou a comentarista.
“Em nossas diretrizes de cardiotoxicidade após o câncer infantil, aconselhamos os sobreviventes que receberam uma dose muito alta de antraciclinas a primeiro consultar um cardiologista”, observou ela.
Este estudo foi financiado por National Cancer Institute, American Lebanese-Syrian Associated Charities (ALSAC), AKTIV Against Cancer e Kavli Trust. A Dra. Jessica Scott, o Dr. Lee Jones e os coautores do estudo revelaram nã o possuir conflitos de interesses .
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.
Referência: American Society of Clinical Oncology (ASCO) 2018. Apresentado em 3 de junho de 2018.
https://jamanetwork.com/journals/jamaoncology/article-abstract/2683624
https://portugues.medscape.com/verartigo/6502460#vp_2