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Mesmo no caso do câncer “bom”, as preocupações persistem após um tratamento bem-sucedido

A preocupação com o câncer ainda é comum entre sobreviventes do câncer da tireoide, mesmo depois de dois a quatro anos do diagnóstico, embora esse tipo de câncer seja tido como um câncer “bom”. Isso indica que os endocrinologistas e outros profissionais de saúde que tratam esta doença precisam se empenhar mais para amenizar as preocupações desses pacientes.

Os pesquisadores descobriram também que as pessoas mais propensas a se preocupar são as mulheres, os pacientes mais jovens, as pessoas com menos instruídas e as pessoas de minorias raciais/étnicas, disseram os autores do estudo, liderado pela Dra. Megan Haymart, endocrinologista da University of Michigan, em Ann Arbor.

O estudo foi publicado  recentemente no periódico Thyroid.

“Descobrimos que tanto o diagnóstico quanto o tratamento estão associados a algum grau de preocupação mesmo depois de dois a quatro anos do diagnóstico”, disse a Dra. Megan.

No estudo, 41% dos participantes disseram que se preocupavam com a morte, 43,5% se preocupavam com os efeitos nocivos do tratamento e 54,7% estavam apreensivos em relação ao comprometimento da qualidade de vida. Além disso, 58% achavam que outros membros da família tinham risco de ter a doença e 63,2% se preocupavam com a possibilidade de ocorrer recidiva.

Falamos com uma jovem sobrevivente de câncer de tireoide, Carly Flumer, diagnosticada em janeiro de 2017, aos 27 anos de idade. Apesar de ter concluído com sucesso o tratamento no final daquele ano, Carly disse que ainda se preocupa com o câncer.

“Como sobrevivente, ainda me preocupo muito, sobretudo com a minha saúde futura, inclusive com a recidiva”, disse a jovem. “Embora minha qualidade de vida seja boa, a ideia de precisar tomar medicamentos diariamente para preservar minha vida é assustadora, e algo que eu nunca esperava.”

As preocupações dos pacientes são reais

Ao comentar o estudo, a Dra. Jacqueline Jonklaas, Ph.D., médica especialista em tireoide do MedStar Georgetown University Hospital, nos EUA, destacou a importância das pesquisas sobre esse problema.

“Para a maioria dos pacientes com câncer de tireoide a doença é de baixo risco e, em última análise, os índices de recidiva são baixíssimos e o risco de morrer em decorrência da doença é praticamente inexistente”, disse a médica.

Porém, a Dra. Jacqueline acrescentou que existe nitidamente um descompasso entre o fato de esses pacientes estarem muito bem do ponto de vista clínico e, ao mesmo tempo, terem piora da qualidade de vida por causa das preocupações com recidiva ou morte e/ou com os efeitos tóxicos do tratamento.

Restabelecer o equilíbrio para que as preocupações do paciente (e do médico) com o risco de recidiva ou morte não sejam desproporcionais exige boas informações tanto para os profissionais da saúde quanto para os pacientes”, afirmou a pesquisadora.

A Dra. Megan observou ainda que as questões relativas ao câncer da tireoide costumam ser minimizadas, têm menos cobertura da mídia e são menos pesquisadas do que outros tipos de câncer.

“Receber um diagnóstico de câncer da tireoide é bastante preocupante para muitos pacientes”, afirmou a médica. “Quisemos analisar o câncer da tireoide porque com frequência é considerado o câncer ‘esquecido’, e costuma-se dizer aos pacientes que eles têm um câncer ‘bom’. Às vezes as consequências desse diagnóstico podem ser facilmente ignoradas.”

Gary Bloom, sobrevivente de carcinoma papilífero da tireoide há 24 anos e atual diretor-executivo da Thyroid Cancer Survivors’ Association, Inc., concorda.
Gary disse: “Converso diariamente com pessoas que tentam conciliar a assustadora realidade de um diagnóstico de câncer com a informação de que o seu é um ‘câncer bom’. Isso dificulta saber como lidar com a doença.”

Dados de diversidade étnica sobre afro-americanos e hispânicos

O novo estudo analisou as preocupações de 2.215 pacientes que ficaram livres da doença dois a quatro anos após o diagnóstico e o tratamento bem-sucedido do câncer da tireoide.

Os pacientes foram provenientes dos registros de Surveillance, Epidemiology, and End Results (SEER) Program da Georgia e do condado de Los Angeles.

“Esses dois centros de estudo ofereceram uma coorte diversificada: a Georgia forneceu uma amostra da população afro-americana e Los Angeles da população hispânica”, observou a Dra. Megan.

Havia dados disponíveis sobre as características tumorais, o tratamento inicial e as preocupações relatadas pelos pacientes. Dra. Megan e colaboradores analisaram várias preocupações, tanto no momento do diagnóstico como nos últimos dois meses.

As queixas dos pacientes sobre preocupações específicas (p. ex.: de que a qualidade de vida não era a mesma de antes do diagnóstico de câncer) foram avaliadas por meio da escala de Likert de cinco pontos com as seguintes alternativas: nem um pouco preocupado, um pouco preocupado, moderadamente preocupado, bastante preocupado e preocupadíssimo.

A Dra. Megan explicou que as preocupações típicas relacionadas com o tratamento “podem ser efeitos da cirurgia, como, por exemplo, problemas de voz, hipocalcemia, efeitos nocivos do iodo radioativo, xerostomia, xeroftalmia, aumento do número de cáries e, embora raro, risco de câncer secundário”.

Em relação ao impacto dessas preocupações nas suas vidas, os participantes foram solicitados a classificar com que frequência o câncer de tireoide dificultou a realização das atividades diárias em casa e no trabalho, fez com que se sentissem distantes da família e dos amigos e os deixou desestabilizados, tanto no momento do diagnóstico quanto durante o último mês.

“Nossos principais achados foram que a preocupação era um fato comum abrangendo diversos aspectos do câncer, como tratamento e qualidade de vida, e a maior parte dos pacientes se preocupava com a possibilidade de recidiva”, disse a Dra. Megan.

Médicos precisam tranquilizar alguns grupos de pacientes

Houve evidências de que as preocupações variavam de acordo com a etnia. Em particular, a preocupação com a morte era mais frequente nas populações hispânica e asiática, com razão de chance (OR, sigla do inglês, odds ratio) de 1,41 entre hispânicos e de 1,57 entre asiáticos, em comparação com os brancos. Pacientes menos instruídos também tiveram níveis mais elevados de preocupação.

Entre aqueles com ensino médio incompleto ou completo, a OR de preocupação foi de 1,78, em comparação com os pacientes com terceiro grau ou pós-graduação.
Pacientes mais velhos e do sexo masculino tendiam a se preocupar menos – aqueles com 65 anos ou mais tinham uma OR de 0,28, comparados com os pacientes de 44 anos ou menos. “Precisamos descobrir por que essas minorias ficam mais preocupadas”, disse a Dra. Megan.

“Será que isso está relacionado com a comunicação entre o médico e o paciente, com diferenças culturais ou até mesmo com barreiras linguísticas? Os médicos deveriam estar cientes dessas preocupações e abordá-las de forma apropriada, principalmente se houver um grupo vulnerável – mulheres, pacientes mais jovens, pacientes com grau de instrução menor e minorias étnicas”, observou a pesquisadora.

A Dra. Jacqueline concordou, e disse que é preciso fornecer mais informações para que os pacientes avaliem esses riscos antes do tratamento: “É preciso que a decisão seja tomada em conjunto pelo paciente e o médico antes de iniciar cada etapa do tratamento do câncer da tireoide.”

“Essas informações devem incluir questões relacionadas com a idade fértil e fertilidade, que preocupam as mulheres mais jovens de maneira desproporcional”, acrescentou a médica.

Durante o mês de conscientização sobre câncer de tireoide, Carly, que escreveu um post no blog da Mayo Clinic sobre seu diagnóstico, diss como ela lida com sua preocupação contínua com o câncer de tireoide.

“Participar de grupos de apoio e conversar com outros pacientes e sobreviventes de câncer de tireoide, tanto on-line quanto pessoalmente, tem me ajudado muito – compartilhando o que temos passado e sendo empáticos. Descobri também que escrever me ajuda muito”, disse Carly.

“Adoro escrever sobre como me sinto, sobre a minha jornada e como eu acho que o sistema de saúde poderia ser aprimorado para que os futuros pacientes recebam o melhor tratamento. Como sobrevivente, se existe um lado bom na minha jornada, posso dizer que é ter descoberto essa paixão”, enfatizou ela.

A Thyroid Cancer Survivors’ Association orienta e apoia os pacientes e seus familiares por meio de seu site, grupos de apoio presenciais e on-line, vídeos com especialistas, manuais de orientação gratuitos, um livro de receitas com baixos níveis de iodo, boletim informativo e material em 11 idiomas. Além disso, patrocina seminários, workshops e o evento anual do International Thyroid Cancer Survivors’ Conference, que neste ano será realizado de 18 a 20 de outubro de 2019 em Denver, Colorado.

A Dra. Megan Haymart e a Dra. Jacqueline Jonklaas informaram não ter conflitos de interesses relevantes.

Thyroid. Publicado on-line em 19 de agosto de 2019.

Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.

Referencia: https://portugues.medscape.com/verartigo/6504009#vp_3