A terapia de potenciação de insulina (TPI) e a TPI com baixa dose de quimioterapia (TPIBD), administradas sob os cuidados de um médico, são tratamentos oncológicos não comprovados que podem fazer mais mal do que bem, alertam especialistas.
Uma revisão das evidências até o momento mostra que não há dados clínicos definitivos para embasar os benefícios terapêuticos de um protocolo de TPI, disseram William D. Figg, pesquisador sênior e chefe do Programa de Farmacologia Clínica do Center for Cancer Research do National Cancer Institute, em Bethesda, Maryland, e colaboradores.
“Pacientes desesperados recorrem frequentemente a terapias não comprovadas; infelizmente, apenas os profissionais que realizam TPI se beneficiam”, escreveram William e colaboradores em um editorial publicado on-line em 1º de fevereiro no periódico Lancet Oncology.
William disse ao Medscape que conselhos médicos em três estados censuraram muitos profissionais de saúde que realizam TPI por violações à ética. Alguns precisaram entregar suas licenças médicas, disse ele. Em todos os casos os profissionais estavam fazendo declarações falsas aos pacientes sobre os benefícios da TPI.
“Como a TPI tem de ser prescrita e administrada sob os cuidados de um médico, acreditamos que os pacientes podem ser induzidos ao erro por pessoas de confiança que o Estado sanciona para praticar a medicina”, disse William.
“Os conselhos médicos estaduais devem, assim, ser informados e lidar adequadamente com esses casos”, disse ele. “Esta não é uma situação simples de ‘comprador, tenha cuidado’ na qual um paciente procura um não-médico para receber uma terapia não comprovada”.
A European Academy for Insulin Potentiation Therapy lista cerca de 65 profissionais que praticam TPI em todo o mundo.
Destaque ao charlatanismo
O editorial de William e colaboradores sobre a TPI é o mais recente de uma série intitulada “Quackery” (charlatanismo em inglês).
O protocolo TPI “inclui a administração de insulina a pacientes em jejum seguida de quimioterapia em dose reduzida e 10 g a 25 g de glicose intravenosa”, explicaram os autores.
Resultados de estudos anteriores mostram que alteração na regulação do metabolismo de glicose está associado à progressão acelerada do câncer e à resistência aos medicamentos, acrescentaram.
“A insulina é responsável pela captação celular de glicose e pelas cascatas de sinalização mitogênica nas células cancerosas, e pode promover a proliferação celular, sobrevivência, invasividade, angiogênese, imunomodulação e quimiorresistência”, disseram os editorialistas.
“Por que, então, alguns médicos afirmam que o uso de insulina e glicose pode melhorar os resultados de pacientes com câncer e facilitar a redução da terapia do câncer?”
Muitas vezes a TPI é combinada com quimioterapia em baixa dose.
Os autores apontaram que os defensores da TPI afirmam que ela aumenta seletivamente a permeabilidade das células cancerosas às drogas anticâncer, deixando o tecido sadio adjacente relativamente ileso. Como resultado, a dose de quimioterapia pode ser reduzida em 75% a 90% do padrão de tratamento aprovado, afirmaram.
“O conceito de usar uma dose menor de quimioterapia, reduzindo efeitos adversos e ter atividade igual ou melhor é atraente para pacientes com câncer”, explicou William. “No entanto, não há evidências de que isso seja possível com a TPI”.
“Muitos pacientes não entendem que a redução da dose de quimioterapia está associada a resultados oncológicos ruins”, disse William. Ele culpa o “ruído” na informação”, vindo principalmente da internet. Ele citou um caso no qual o paciente recusou o tratamento padrão e optou pela TPI porque gostava da ideia de diminuir a dose de quimioterapia.
Os editorialistas também se depararam com vários casos em que os pacientes sacaram suas apólices de seguro de vida e venderam ativos para pagar pela TPI.
“Consideramos preocupante que os recursos dos pacientes estavam se esgotando com essas terapias não comprovadas”, disse William. “A maioria dos oncologistas vê esse padrão de comportamento”.
No editorial, os autores destacaram uma clínica, o Arizona Center for Advanced Medicine, em Scottsdale, que afirma no seu website que o custo para os primeiros dois meses de tratamento com TPI é de 50.000 dólares. Isso inclui o custo de avaliações associadas, exames laboratoriais e discussões de grupo. No entanto, não inclui o custo da quimioterapia e outras drogas, apontaram os autores.
“O custo da TPI é uma despesa extra para os pacientes, que provavelmente excede o custo da própria quimioterapia fornecida como padrão de tratamento”, escreveram os autores.
Ausência de dados de ensaios clínicos
A revisão da literatura revelou apenas dois ensaios clínicos publicados que avaliaram a TPI.
Em um estudo com 16 pacientes com câncer de próstata resistente à castração, uma resposta geral foi alcançada em quatro (44%) de nove pacientes tratados com 10 ciclos de TPI. Não foi relatado um intervalo de confiança (IC) de 95%, apontaram os editorialistas.
O estudo mostrou que a sobrevida global média foi de 11 meses em comparação com 18,9 meses com a terapia padrão com docetaxel. Apesar da menor sobrevida, “os provedores da TPI frequentemente citam este estudo para justificar seu uso”, observaram os editorialistas.
No segundo estudo, a resposta ao metotrexato e à toxicidade foram avaliadas prospectivamente em 30 pacientes com câncer de mama metastático. Todas haviam sido previamente tratadas com terapia hormonal padrão ou quimioterapia. Uma taxa de doença estável foi alcançada em 90% das pacientes que receberam metotrexato mais insulina, mas foi relatada em apenas 30% das tratadas apenas com metotrexato.
“Um aumento na proporção de pacientes que atingiram doença estável neste pequeno estudo dificilmente é suficiente para sugerir que a TPI associada ao metotrexato é de alguma forma uma melhoria em relação às terapias aprovadas usadas para o câncer de mama”, concluíram William e colaboradores.
A busca por evidências sobre os benefícios da TPI também produziu dois ensaios registrados, um dos quais havia sido retirado, disseram eles. Os resultados do outro estudo estavam atrasados em quatro anos.
“Evidências clínicas adicionais sobre a TPI provavelmente não virão e estão em contraste com as alegações de defensores que dizem que a TPI é segura e eficaz”, escreveram os editorialistas.
Quando solicitado a comentar, o Dr. Don S. Dizon, médico e especialista da ASCO em tumores de mama e ginecológicos, e diretor da área de tumores femininos no Lifespan Cancer Institute, em Providence, Rhode Island, concordou que “os dados não embasam as alegações de que essa terapia é benéfica”.
Dr. Don, que também é diretor de oncologia médica no Rhode Island Hospital e professor de medicina na Brown University, observou que a TPI não foi avaliada em nenhum ensaio clínico randomizado. “A insulina não é uma droga com a qual se deve brincar”, acrescentou.
Parte do trabalho de um oncologista é ajudar os pacientes a aprender e fornecer informações que lhes permitam tomar decisões fundamentadas, enfatizou o Dr. Don. Ele disse que, quando um paciente pergunta sobre TPI, os oncologistas devem descobrir o que está por trás deste interesse, em vez de simplesmente deixar de lado a questão. Da mesma forma, sugere, descubra o que o paciente ouviu sobre quimioterapia em altas doses e o que ele acha que significa.
“Ninguém aprende como lidar com o câncer”, disse Dr. Don. “Você aprende depois de ser diagnosticado. Nós prejudicamos nossa área e não favorecemos nossos pacientes quando não levamos a sério as preocupações deles em relação à quimioterapia”.
Quando um paciente manifesta preocupação com os efeitos colaterais do tratamento do câncer durante uma conversa sobre os objetivos do tratamento e as preferências do paciente, é uma oportunidade de falar sobre os avanços nas terapias de suporte, sugeriu o Dr. Don.
“A imagem do paciente caquético que não consegue nem segurar a água é coisa do passado”, disse ele.
“Não é essa a aparência do paciente moderno em tratamento para a maioria dos tumores sólidos atualmente”.
William e colaboradores informaram não ter relações financeiras relevantes. O Dr. Don informou relações com Pfizer, Tesaro e Teva.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.
Fonte: The Lancet Oncology. Publicado on-line em 1º de fevereiro de 2019.
https://portugues.medscape.com/verartigo/6503327#vp_3