A hemorragia digestiva baixa (HDB) é definida como qualquer sangramento com origem abaixo do ligamento de Treitz, que se correlaciona anatomicamente com a transição duodenojejunal.
A maior dificuldade com esse termo é que o espectro de sintomas é muito grande: desde sangramentos de grande monta a pequenas quantidades de sangue. HDB do tipo melena faz com que sempre devam ser investigadas causas de hemorragia alta, como úlceras gástricas e duodenais.
O médico que conduz o caso tem um papel fundamental na investigação: seja avaliando a necessidade de cada paciente, para solicitar exames de forma mais adequada, o que acelera o processo de diagnóstico e reduz custos no atendimento privado ou reduzindo a fila de espera para exames no SUS.
As principais causas de HDB são:
• DOENÇA DIVERTICULAR (que é diferente de diverticulite), sendo a presença de divertículos, com ou sem inflamação/infecção (41.6%),
• CÂNCER COLORRETAL (9,1%)
• COLITE ISQUÊMICA (8,7%).
Assim, a doença diverticular é a principal causa de HDB. Isso ocorre porque, ao lado do divertículo formado pela parede intestinal fragilizada, a vasa recta atravessa as camadas musculares para mucosa e submucosa. Como há pouco tecido recobrindo a vasa recta, podem ocorrer sangramentos.
O câncer colorretal é sempre nosso principal diagnóstico diferencial. Nesses casos, em geral, o sangramento anal ocorre em tumores já ulcerados.
A colite isquêmica pode ocorrer em pacientes jovens ou mais idosos. Para a isquemia ocorrer, são necessários fatores de risco, como choque, doenças autoimunes, coagulopatias, desidratação grave, trombose mesentérica, uso de cocaína, entre outros. É mais comum em pacientes idosos, com múltiplas comorbidades. Os sinais e sintomas são dor abdominal, sangramento anal e ausência de peritonite difusa (“dor desproporcional ao exame físico”).
As causas anorretais como doença hemorroidária, fissuras e úlceras retais são causas muito comuns de sangramentos baixos, mas raramente causam instabilidade hemodinâmica ou grandes perdas sanguíneas. A doença hemorroidária geralmente é um sangramento vermelho vivo, autolimitado e restrito aos movimentos evacuatórios. A história patológica pregressa deve ser obtida para afastar causas como lesões pós-radioterapia (proctite actínica), doenças sexualmente transmissíveis, uso excessivo de anti-inflamatórios não esteroidais, ou varizes retais (associadas à falência hepática).
Outras causas são as angiodisplasias – ectasias vasculares na mucosa e submucosa, e doenças inflamatórias intestinais. Lembrar que em pacientes HIV positivos devemos sempre pensar em citomegalovírus.
Métodos de investigação:
• Exame proctológico: é fundamental para a avaliação de doenças perianais. Algumas doenças como fissuras não podem ser avaliadas por colonoscopia. Além disso, o próprio preparo para colonoscopia pode aumentar o volume dos mamilos hemorroidários, falseando a causa do sangramento.
• Colonoscopia: é o exame invasivo mais utilizado para investigações ambulatoriais. É um método diagnóstico e terapêutico em caso de sangramento de grande monta. Pode ser realizada, em caso de urgência, com preparo rápido. Já nos casos de investigação ambulatorial, deve ser feita com preparo adequado, pois assim podem ser avaliadas lesões pequenas, como pólipos e mesmo lesões suspeitas. Sem preparo adequado, uma avaliação mais precisa não pode ser realizada.
• Angiografia: pode ser diagnóstica ou terapêutica. Possui alta especificidade (próxima a 100%). Para o exame ser positivo, é necessário sangramento de pelo menos 0,5 mL/min. Nas angiografias positivas, é possível realizar embolização superseletiva durante o procedimento. Esta embolização superseletiva ocorre ao nível da vasa recta ou da artéria marginal.
• Cintigrafia: são utilizadas hemácias marcadas com tecnécio para a realização do exame (TRBC). O sangramento mínimo que consegue ser visualizado é de 0,1 mL/min. Caso o exame seja negativo, pelo tempo de meia vida das hemácias marcadas, ele pode ser refeito em 24h.
• Angiotomografia: é considerada positiva quando o contraste é localizado na luz intestinal. É atualmente mais utilizado do que a cintigrafia pela facilidade de realização, localização do sítio do sangramento e identificação de outras patologias.
Caso o paciente tenha um sangramento importante, com instabilidade hemodinâmica, e seja irresponsivo à ressuscitação inicial ou mesmo à utilização de seis concentrados de hemácias em 24 horas, tal paciente é candidato à cirurgia de urgência. Caso o sítio do sangramento não seja identificado no campo cirúrgico, pode ser realizada uma esteroscopia intraoperatória. Se, ainda assim, o sítio de sangramento não for identificado, a colectomia total deverá ser realizada.
Com isso, percebemos que fazer uma boa anamnese, descobrindo fatores de riscos, além de exame físico completo, inclusive com toque retal, é fundamental para conduzir um paciente ambulatorial. Em pacientes jovens podemos descartar, inicialmente, a solicitação de exames mais invasivos apenas com esses passos.
Caso, mesmo assim, o diagnóstico ainda não esteja claro, devemos solicitar o exame mais apropriado para cada paciente, nos baseando na anamnese e no exame físico, que decididamente não são descartáveis em casos de HDB. Fique atento! Os exames complementares, sozinhos, podem mais atrapalhar do que ajudar.
Referência: http://pebmed.com.br/sangramento-anal-o-que-e-e-como-diagnosticar-corretamente/