As exigências de participação obrigatória em programas de perda ponderal sob supervisão médica antes da cirurgia bariátrica não melhoram os resultados em termos de perda ponderal, podendo inclusive diminuí-la, sugere nova pesquisa.
Os resultados dos três estudos apresentados ontem na Obesity Week 2017 vão ao encontro de uma literatura cada vez mais prolífica questionando as regras impostas por muitos planos de saúde particulares que exigem a participação do paciente em um programa de controle ponderal sob supervisão médica durante até seis meses antes de autorizar o reembolso da cirurgia bariátrica, geralmente alegando que este processo melhora a observância das necessárias alterações do estilo de vida.
No entanto, os novos dados sugerem que os resultados não são melhores em termos de perda ponderal e segurança para os pacientes que participam destes programas.
“Na nossa revisão dos prontuários, não vimos nenhum benefício significativo decorrente de fazer os pacientes esperarem mais tempo antes da cirurgia. Há tendências que mostram o contrário — nestes casos, os pacientes têm menor propensão a perder peso antes ou depois da operação”, disse Victor Eng, aluno do segundo ano de medicina na Stanford University.
O moderador da sessão, o Dr. Maher El Chaar, cirurgião bariátrico no St Luke’s University Health Network, em Bethlehem, Pensilvânia, disse, “Minha preocupação não é apenas o fato de estarmos perdendo tempo, mas que o resultado possa ser pior, particularmente para os pacientes com hipertensão arterial descompensada, apneia do sono importante ou diabetes descompensado. Seis meses de adiamento podem agravar essas doenças”.
O Dr. El Chaar disse que às vezes recomenda um programa de perda ponderal sob supervisão médica durante três a seis meses para alguns pacientes, como os que já fizeram o procedimento bariátrico e agora precisam de revisão, visto que os desfechos cirúrgicos nestes casos não costumam ser tão positivos. Contudo, disse o médico, “me parece que esta indicação deve ser prerrogativa médica”, não dos planos de saúde.
De fato, em uma tomada de posição em 2016, a American Society for Metabolic and Bariatric Surgery (ASMBS) reivindicou o fim dessas exigências, afirmando que: “A prática da imposição de perda ponderal pré-operatória pelos planos de saúde é discriminatória, arbitrária e desprovida de fundamento científico, contribui para o desgaste do paciente, promove a demora desnecessária de um tratamento que salva muitas vidas, possibilita a evolução clínica de comorbidades potencialmente fatais, é antiética, e precisa ser abandonada”.
E a Dra. Amy Rothberg, PhD, médica e diretora do Michigan Medicine Weight Management Program, em Ann Arbor, destacou em entrevista que na vida real os programas de controle de peso aos quais os candidatos à cirurgia bariátrica são encaminhados costumam ser insatisfatórios, normalmente oferecendo apenas consultas mensais, que não promovem o tipo de aconselhamento e orientação comportamental aprofundados com vistas à modificação do estilo de vida necessária para a conquista de uma perda de peso duradoura.
“Eu concordo que, se este for o tratamento que os pacientes recebem, então o tempo de espera não se justifica”, disse a Dra. Amy. “No entanto, se as pessoas estiverem participando de intervenções comportamentais aprofundadas com acompanhamento frequente, mais do que uma vez por mês, isso pode fazer alguma diferença”.
Dra. Amy, que já publicou um artigo sobre os benefícios clínicos e financeiros dos programas intensivos de perda ponderal sob supervisão médica, também observou que o percentual da perda ponderal além do previsto em seis meses a um ano — medida de resultado avaliada nos três estudos — não é o único desfecho importante.
“Tudo se baseia no percentual de perda ponderal além do previsto após a cirurgia, mas existem outras medidas que podem não estar sendo capturadas. Você pode não saber se em cinco anos as intervenções anteriores à cirurgia bariátrica irão fazer diferença em termos de menor recidiva. Se os pacientes não forem instruídos acerca de certos hábitos de estilo de vida a serem mantidos durante toda a vida, não serão bem-sucedidos. Só me parece que um ano não é tempo suficiente para avaliar isso”, disse a Dra. Amy.
Tempo até a cirurgia não modifica a perda ponderal
Eng e colaboradores fizeram uma análise retrospectiva de prontuários com dados de acompanhamento durante um ano de 427 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica em Stanford entre 2014 e 2015 — 61% por laparoscopia com derivação em Y de Roux, 36% por gastrectomia vertical e 3% por colocação de banda gástrica.
O tempo até a cirurgia, definido como o número de dias transcorridos entre a consulta inicial e a consulta pré-operatória imediata foi de zero a três meses para 27% dos pacientes, de três a seis meses para 35% dos pacientes, e de mais de seis meses para 38% dos pacientes. As causas dos adiamentos não foram registradas nos prontuários, mas as exigências dos planos de saúde provavelmente estão entre elas, explicou Eng.
Em geral, houve uma tendência não significativa de maior perda ponderal além do previsto antes da cirurgia nos intervalos mais curtos de tempo até cirurgia, de 2,07% para zero a três meses, de 1,96% para três a seis meses e de 1,47% para seis meses ou mais de espera.
Nos modelos de regressão múltipla, o tempo até a cirurgia foi um indicador significativo da diminuição do percentual de perda ponderal além do previsto na derivação em Y de Roux, enquanto houve uma tendência não significativa na gastrectomia vertical.
A diminuição da perda ponderal com o aumento do tempo de espera para a cirurgia se manteve após a cirurgia. Na gastrectomia vertical, esta tendência foi significativa aos três meses, quando a perda de peso além do previsto foi de 47% para o tempo de espera de zero a três meses vs. 45% com três a seis meses de espera, e 38% para seis meses ou mais de espera. Houve uma tendência não significativa aos seis e 12 meses. Tendências semelhantes foram observadas na derivação em Y de Roux, mas não foram significativas aos três, seis ou 12 meses após a cirurgia.
“Nenhum dos nossos dados apresentados até agora demonstraram algum tipo de benefício para os pacientes pelo adiamento da cirurgia bariátrica, e estamos constatando tendências que sugerem exatamente o contrário”, comentou Eng.
Em uma análise secundária, não houve diferenças em termos de complicações cirúrgicas ou reinternação hospitalar por tempo de espera para a realização da cirurgia.
“Acreditamos que a perda ponderal pré-operatória deve ser feita tendo como objetivo alcançar determinadas metas, e não o transcurso do tempo, e que qualquer adiamento da realização da cirurgia bariátrica deve ser minimizado”, concluiu o pesquisador.
Quantidade de consultas não parece importar
Em um segundo estudo, apresentado pela psicóloga Genna F. P. Hymowitz, PhD, da Stony Brook Medicine , em Nova York, um total de 107 pacientes que tinham ido a cinco consultas mensais (média geral) de controle de peso sob supervisão médica antes da cirurgia foram acompanhados durante até um ano depois da cirurgia. Não houve associação entre o número de consultas feitas antes da cirurgia e o percentual de perda ponderal em nenhum dos momentos de avaliação em três semanas, três meses, seis meses ou um ano após a cirurgia.
“A participação mensal em um grupo de controle ponderal supervisionado antes da cirurgia pode não impactar diretamente a perda de peso após a cirurgia”, concluiu Genna, acrescentando que uma abordagem mais eficaz poderia ser a de se concentrar em intervenções após a cirurgia abordando a recuperação do peso após o procedimento, os transtornos do uso de álcool, e a perda de controle da alimentação.
Programas exigidos pelos planos de saúde podem não alterar os resultados
O terceiro estudo, apresentado pelo residente de cirurgia Dr. Andrew Schneider, médico do Greenville Health System, na Carolina do Sul, examinou diretamente o efeito dos programas de perda ponderal sob supervisão médica antes da cirurgia exigidos pelos planos de saúde nos resultados de perda de peso e segurança após a cirurgia.
Dr. Schneider explicou que o Medicare exige apenas o registro da realização de um tratamento clínico malsucedido da obesidade, mas não determina o período de tempo necessário do tratamento, nem a quantidade de peso a perder. Por outro lado, os planos de saúde particulares normalmente exigem a comprovação da realização de um programa de perda ponderal variando de três a 12 meses. Alguns exigem também a comprovação da perda ponderal, porém irão glosar a cirurgia se a perda ponderal tiver sido significativa. Em geral, disse o cirurgião, os planos de saúde “costumam ser muito rigorosos com o cumprimento dessas exigências”.
Na verdade, o Dr. El Chaar disse que a glosa para os pacientes que perdem muito peso é particularmente abominável, visto que alguns desses pacientes podem ainda ter diabetes descompensado, ou outras comorbidades clínicas importantes. “É como um jogo. Você sente que não pode tratar o seu paciente”.
Em seu estudo, o Dr. Schneider e colaboradores compararam as informações dos prontuários de 266 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica que tinham participado de programas de controle ponderal exigidos pelos planos de saúde a 88 pacientes que não o fizeram entre 2014 e 2016. Dentre aqueles que participaram, 64% tinham seguro de saúde particular, 26% tinham Medicare, 10% tinham Medicaid e 0% pagavam suas despesas do próprio bolso. Entre os não participantes, essas proporções foram de 55%, 0%, 29,5% e 16%, respectivamente.
O tempo até a cirurgia foi de 182 dias para os participantes do programa vs.109 dias para os não participantes, o que constitui uma diferença significativa.
No entanto, não houve diferenças significativas entre os dois grupos em termos de tempo de duração do ato operatório, tempo de internação pós-operatória, ou índices de acompanhamento durante até um ano. As reinternações hospitalares e a reoperação, também não foram significativamente diferentes.
A perda ponderal além do previsto após a cirurgia também não diferiu em nenhum momento de avaliação, e foi quase idêntica após um ano.
“Nossos dados sobre os resultados vão ao encontro da declaração da American Society for Metabolic and Bariatric Surgery contra os programas de controle ponderal pré-operatório exigidos pelos planos de saúde”, concluiu o Dr. Schneider.
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