A presença de compulsão alimentar, especialmente perda de controle ao comer, compulsão alimentar e beliscamento (grazing) após cirurgia bariátrica parece desempenhar um papel importante no reganho de peso. Isso é o que mostra a revisão sistemática e e metanálise conduzidas por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com colaboração de especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), publicada em outubro no periódico Obesity Reviews,da International Association for the Study of Obesity.
A Dra. Maria Francisca Mauro, psiquiatra da UFRJ e uma das autoras da pesquisa, falou sobre o trabalho.
A partir de buscas nas plataformas PubMed, Web of Science, Cochrane Library, Scopus e PsycINFO, os autores selecionaram trabalhos com amostras clínicas de adultos submetidos a cirurgia bariátrica e acompanhados por mínimo de 18 meses após a intervenção. Foram considerados apenas os artigos que incluíram algum tipo de instrumento validado para avaliação psicopatológica.
A seleção resultou na identificação de 13 artigos (realizados nos Estados Unidos, em Portugal, na Espanha e no Brasil) que somaram 1.766 participantes, sendo a maioria mulheres (87,6%). O índice de massa corporal (IMC) dos pacientes antes da cirurgia variou de 44,5 kg/m2 a 51,1 kg/m2 e os procedimentos cirúrgico mais comuns foram: primeiro o bypass gástrico (66,8%), seguido por banda gástrica (32,06%) e sleeve gástrico (1,13%). A prevalência de pacientes que voltaram ganhar peso variou de 11,96% a 59,6%.
O reganho de peso após cirurgia bariátrica ainda é um tema que gera discussão na literatura. Segundo a Dra. Maria Francisca, esta controvérsia também apareceu durante a pesquisa, visto que, dos 13 artigos selecionados, 11 tinham definições distintas de reganho de peso, o que representa um complicador.
“A literatura vem convergindo no sentido de que um reganho de peso > 20% do menor peso atingido após a cirurgia causaria um impacto tanto relacionado com as comorbidades clínicas como com a saúde mental”, afirmou.
A médica lembrou que um estudo norte-americano de 2018 publicado do periódico JAMA testou vários pontos de corte e ratificou que um reganho > 20% sobre o menor peso atingido após a cirurgia foi o marcador mais interessante.
“Um reganho de peso > 10% do menor peso é natural. É preciso entender que, depois que se atinge o menor peso, é possível sim voltar a ter um ganho ponderal após a cirurgia, porque além da restrição do estômago, o procedimento causa um impacto no trânsito intestinal e na mudança de hormônios intestinais e marcadores inflamatórios, ou seja, ocorrem alterações no conjunto metabólico que, a partir de 24 meses após a cirurgia, vão perdendo expressão e, consequentemente, vão aumentando a possibilidade de a pessoa voltar a ter ganho de peso”, afirmou.
A partir de uma avaliação qualitativa, a equipe da UFRJ identificou uma associação positiva entre o reganho de peso e depressão, traços de impulsividade – especialmente no domínio atencional – e qualidade de vida ruim. No entanto, esses e outros fatores relacionados com psicopatologias gerais (como ansiedade, uso de substância) foram abordados em poucos estudos, o que inviabilizou a análise quantitativa a partir da metanálise.
A psicopatologia alimentar, por outro lado, foi investigada em 12 dos trabalhos selecionados, sendo que a maioria (N = 10) descreveu o quadro no pós-operatório. Cinco estudos apresentaram dados adequados para a inclusão na metanálise, e a análise revelou que os pacientes que apresentaram psicopatologia alimentar após a cirurgia bariátrica tinham razão de risco (HR, sigla do inglês, hazard ratio) 2,2 vezes maior de reganho de peso do que os que não apresentaram.
Segundo a Dra. Maria Francisca, essa é a primeira metanálise realizada nesse contexto. “Desde 2007, existem revisões sistemáticas que discutem a associação entre psicopatologia alimentar e reganho de peso após a cirurgia bariátrica, porém, sempre de forma qualitativa. Até então, não tínhamos uma metanálise nesse sentido”, afirmou.
Segundo a médica, pacientes candidatos à cirurgia bariátrica já têm maior prevalência de alterações do comportamento alimentar: “Dados da literatura apontam que a prevalência da compulsão alimentar na população geral é de 4%, porém, entre os candidatos à cirurgia bariátrica chega a 17%”, destacou. Além disso, a psiquiatra disse: “Sabe-se que esse quadro apresenta melhora nos primeiros dois anos após a cirurgia bariátrica, porém ainda faltam estudos nesse contexto. Precisamos avançar com relação aos aspectos de mudanças que a cirurgia promove, entre elas, hormonais, inflamatórias, do sistema de recompensa central, de modulação genética e microbiota intestinal para poder entender o comportamento alimentar do paciente após a cirurgia. Mesmo assim, já identificamos que pacientes que apresentam compulsão alimentar antes do procedimento geralmente deixam de ter episódios de compulsão objetiva após a cirurgia, passando a ter episódios de compulsão que chamamos de subjetivos, com menor quantidade de comida. O constructo que começa a se definir como melhor marcador de sofrimento relacionado com a comida nessa população é a perda de controle ao comer”, explicou.
É importante destacar que o estudo da Dra. Maria Francisca e colaboradores associou o reganho de peso à compulsão alimentar como um sintoma e não ao diagnóstico de transtorno de compulsão alimentar.
“No contexto da cirurgia bariátrica, estamos percebendo cada vez mais que o comportamento às vezes consegue dimensionar melhor do que o diagnóstico”, afirmou, exemplificando que o diagnóstico do transtorno de compulsão alimentar envolve o questionamento quanto à quantidade de comida ingerida, porém, após a cirurgia, o paciente já não consegue comer grandes quantidades, o que pode dificultar a captura desse quadro.
Na prática, a identificação da existência de associação entre psicopatologia alimentar e reganho de peso pode ajudar os profissionais a anteciparem suas ações: “temos de identificar isso como algo em que podemos interferir no comportamento do paciente; não vamos esperar ele voltar a ganhar todo o peso que perdeu. Podemos rastrear os indivíduos para presença desse sintoma alimentar e avaliar precocemente se há necessidade de um tratamento medicamentoso e/ou psicoterapia, enfim planejar uma intervenção para o paciente”, orientou a pesquisadora.
As psicopatologias, em especial a alimentar, representam um elemento que merece atenção no paciente bariátrico, no entanto, de acordo com a Dra. Maria Francisca, é importante lembrar que o reganho de peso não está associado apenas ao comportamento, há outros fatores que influenciam: “Algumas técnicas cirúrgicas que modificam só o estômago, como a gastrectomia sleeve, tem maior recidiva de peso, enquanto outras, por exemplo, o bypass gástrico – técnica que é mais utilizada hoje em dia – têm maior perda de peso e menor reganho. Além disso, algumas complicações clínicas, como hipotireoidismo ou outra disfunção endócrina, uso de determinados medicamentos e não mudar hábitos alimentares ou não praticar exercícios também favorecem o reganho de peso. Trata-se, portanto, de um problema multifatorial e não só comportamental”, ressaltou.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.
Referencia: https://portugues.medscape.com/verartigo/6504134#vp_2