A cirurgia bariátrica está associada a menor risco de doença microvascular nas pessoas com diabetes tipo 2, sugere nova pesquisa.
Essas descobertas provenientes de uma análise retrospectiva de dados de quatro sistemas de saúde integrados norte-americanos, foram publicadas on-line em 7 de agosto no periódico Annals of Internal Medicine pela Dra. Rebecca O’Brien, médica do Kaiser Permanente Medical Group, em Oakland, na Califórnia, e colaboradores.
Entre os mais de 4.000 pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, a incidência de doença microvascular em cinco anos — como neuropatia, nefropatia e retinopatia — foi quase 60% menor do que a de 11.000 pacientes de um grupo de controle pareado não-cirúrgico que recebeu o atendimento convencional do diabetes.
“O que há de novo aqui é que com um tamanho de amostra muito grande encontramos diferença nos desfechos fundamentados. Muito poucos estudos o fizeram”, disse o pesquisador sênior Dr. David Arterburn, médico e internista do Kaiser Permanente Washington Health Research Institute em Seattle.
O estudo também se destaca por contar com uma proporção maior de pacientes submetidos aos procedimentos bariátricos mais contemporâneos, a derivação gástrica em Y de Roux e a gastroplastia vertical. Estudos anteriores tendiam a ser feitos com muitos pacientes submetidos a procedimentos mais antigos que agora estão caindo em desuso.
Dr. Arterburn disse que, no mínimo, a opção da cirurgia bariátrica deve ser conversada com os pacientes com diabetes tipo 2 e índice de massa corporal (IMC) de 35 kg/m2 ou mais.
“Isso merece consideração, embora a captação ainda seja muito pequena em relação ao tratamento clínico e permanecerá pequena, mas deve fazer parte da conversa”.
No editorial que acompanha o estudo, o Dr. Carel W. le Roux, PhD, médico professor de patologia experimental no Diabetes Complications Research Centre do University College Dublin na Irlanda, e o Dr. Philip R. Schauer, médico e professor de cirurgia na Cleveland Clinic Lerner College of Medicine Ohio, escreveram: “A implicação desses achados em termos de política de saúde é que a cirurgia bariátrica deve agora ser considerada como um tratamento eficaz [do diabetes tipo 2] não apenas para melhorar a hiperglicemia, mas também para prevenir as complicações responsáveis pela morbidade e mortalidade da doença”.
Dr. Schauer e Dr. le Roux observam que, embora a cirurgia bariátrica seja tradicionalmente indicada apenas parar os pacientes com diabetes tipo 2 e obesidade grave com o objetivo de reduzir a obesidade, “a partir desses novos dados poderemos considerar a cirurgia como um tratamento para o diabetes além do controle da glicemia”.
“A cirurgia bariátrica pode agora ser destinada a prevenir complicações. A cirurgia não deve ser o último recurso, mas deve ser usada mais cedo, já que prevenir é definitivamente melhor que remediar”.
Convidada a comentar, a endocrinologista Dra. Janet B. McGill, professora de medicina da Washington University School of Medicine em St. Louis, Missouri, disse: “Embora a principal limitação do estudo seja o seu desenho retrospectivo, mesmo assim seus resultados são importantes”.
Mas, Dra. Janet também ressaltou: “A falta de acompanhamento dos níveis de hemoglobina glicada (HbA1c) e de dados sobre outros fatores de risco impossibilitam a determinação de se o sucesso dos procedimentos bariátricos foi simplesmente decorrente da redução ou da resolução da hiperglicemia, ou se houve contribuição de outros fatores, como a redução da hipertensão arterial sistêmica”.
“A perda ponderal deve ser uma meta terapêutica para os pacientes com sobrepeso e diabetes tipo 2, e a implementação de estratégias de perda ponderal no início do curso da doença provavelmente produzirá os melhores resultados em termos de prevenção da doença microvascular.”
“Extraordinária” redução das complicações microvasculares
O estudo foi feito com 4.024 adultos com diabetes tipo 2 e IMC ≥ 35 kg/m2 submetidos à cirurgia bariátrica entre 2005 e 2011 pareados a 11.059 pacientes não-cirúrgicos com diabetes tipo 2 e índices de massa corporal e outras características iniciais semelhantes, como idade, sexo, HbA1c, uso de insulina e duração do diabetes.
Os procedimentos bariátricos realizados foram 76% derivação gástrica, 17% gastrectomia vertical e 7% banda gástrica ajustável.
A mediana de acompanhamento foi de 4,3 anos nos dois grupos.
A incidência combinada de doença microvascular em 1, 3, 5 e 7 anos foi de 6,0%, 11,8%, 16,9% e 22,5%, respectivamente, após a cirurgia bariátrica, em comparação a 11,2%, 24,3%, 34,7% e 44,2 % após o tratamento habitual.
A diferença foi impulsionada principalmente pela incidência de neuropatia, que em cinco anos foi de 7,2% vs. 21,4%.
Em cinco anos, o risco de doença microvascular incidente foi significativamente menor entre os pacientes submetidos à cirurgia do que nos pacientes de controle pareados, com uma razão de risco de 0,41. Os resultados foram significativos para cada complicação individual, com razões de risco de 0,37 de neuropatia diabética, 0,41 de nefropatia e 0,55 de retinopatia.
“Uma diminuição tão relevante das complicações microvasculares raramente foi demonstrada por qualquer forma de tratamento do diabetes”, escreveram os Drs. le Roux e Schauer.
Ainda é necessário um estudo randomizado controlado
Apesar dos resultados bem-sucedidos, os editorialistas dizem que é necessário fazer um estudo randomizado e controlado, pois o desenho retrospectivo do estudo em tela deixa em aberto a possibilidade de viés de seleção não randomizado; isto é, a possibilidade de que os pacientes que optam pela cirurgia possam ter vantagens de desfecho não reconhecidas em comparação aos controles.
Os editorialistas também indicam que os achados de diminuição da nefropatia devem ser interpretados com cautela, porque o biomarcador usado para determinar a função renal foi a creatinina sérica.
“A perda ponderal importante reduzirá a creatinina sérica mesmo que a função renal permaneça estável ou diminua um pouco, porque a creatinina sérica também depende da massa muscular. Assim, quando o peso diminui, também diminui a massa muscular e, subsequentemente, a creatinina sérica”.
No entanto, acrescentam: “Dito isto, é reconfortante que os marcadores da função renal não tenham se deteriorado após a cirurgia e ao juntar todas as evidências, é provável que a cirurgia bariátrica realmente previna a nefropatia”.
Dra. Janet salientou que os benefícios da cirurgia bariátrica em comparação ao tratamento clínico resultam da “maior perda ponderal e maior probabilidade de remissão do diabetes quando feita a tempo”, mas ela também enfatizou que se a cirurgia for realizada “mais tarde, pode não ter o mesmo efeito”.
Os autores concluem: “Os resultados deste estudo devem ajudar os pacientes e os médicos a entenderem melhor as potenciais compensações da cirurgia bariátrica como tratamento do diabetes tipo 2, e auxiliá-los a tomar decisões mais bem fundamentadas sobre a conduta”.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.
Referência: Ann Intern Med. Publicado on-line em 7 de agosto de 2018.
https://portugues.medscape.com/verartigo/6502658#vp_2