Pacientes em uso de liraglutida apresentaram risco de eventos adversos relacionados com a vesícula e com as vias biliares superior ao dos pacientes que receberam placebo no estudo LEADER, mas os mecanismos que levaram a este aumento não são claros, de acordo com uma análise post-hoc.
Os dados do ensaio clínico Liraglutide Effect and Action in Diabetes: Evaluation of Cardiovascular Outcome Results (LEADER) foram publicados on-line em 09 de agosto no periódico Diabetes Care por Dr. Michael A. Nauck, médico do Diabetes-Center Bochum-Hattingen, St. Josef-Hospital, Ruhr-University, na Alemanha, e colaboradores.
“Embora o estudo LEADER não tenha sido desenhado para avaliar especificamente a doença aguda da vesícula ou das vias biliares, o ensaio mostrou um aumento do risco de eventos adversos relacionados com a vesícula ou com as vias biliares associado à liraglutida versus placebo em quatro categorias. Pesquisas futuras devem estudar os mecanismos relevantes”, escreveram o Dr. Michael e colaboradores.
O diabetes tipo 2 praticamente dobra o risco de doença biliar, com o mecanismo possivelmente ligado à resistência à insulina e à obesidade. Evidências anteriores foram conflitantes em relação a uma ligação entre os receptores análogos do peptídeo semelhante ao glucagon 1 e as doenças biliares. O risco é mencionado no rótulo da liraglutida, mas não em todos os receptores análogos do GLP-1.
Um aumento de eventos adversos relacionados com a vesícula biliar foi notificado pelo programa de desenvolvimento clínico da dose de 3,0 mg de liraglutida usada para perda ponderal versus placebo, mas não no programa de desenvolvimento clínico da dose de 1,8 mg para redução da glicose.
E, os autores também destacaram que a colelitíase é um efeito colateral frequente em outros tratamentos para perda ponderal, como dietas com baixo teor calórico e cirurgia de bypass gástrico.
Solicitado a comentar, o Dr. Scott J. Pilla, médico e professor assistente de medicina da Divisão de Medicina Interna da Johns Hopkins University, nos Estados Unidos, disse: “Eu acho que este foi um estudo bem feito. Sua análise é apropriada, e seus achados foram apresentados corretamente. Os médicos devem entender que o risco de doença grave relacionada com a vesícula biliar provavelmente é elevado pelo tratamento com receptores análogos do GLP-1.”
No entanto, o Dr. Scott acrescentou: “Embora esses eventos adversos sejam graves, eles são relativamente raros, e não devem ser uma razão para não usar receptores análogos do GLP-1, porque todos os medicamentos para o diabetes podem acarretar efeitos colaterais graves.”
Os resultados preliminares do estudo LEADER, em que 9.340 pacientes com diabetes tipo 2 e alto risco cardiovascular foram randomizados para liraglutida ou placebo por uma mediana de 3,8 anos demonstraram uma diminuição significativa do risco de eventos cardiovasculares adversos maiores com a liraglutida.
proporção de pacientes com doença biliar aguda foi maior com a liraglutida do que com o placebo (3,1% vs. 1,9%; P < 0,001), principalmente por conta das taxas de colelitíase (1,5% vs. 1,1%) e de colecistite aguda (0,8% vs. 0,4%).
Esta análise post-hoc é a primeira a estudar os subtipos de calculose biliar observados e as suas implicações. No geral, 275 eventos foram relatados em 235 pacientes, com a subsequente exclusão de sete eventos por falta de relevância.
Eventos relacionados com a vesícula biliar ou com as vias biliares foram maiores com o uso de liraglutida versus placebo (141 vs. 88 pacientes; razão de risco ou hazard ratio, HR, = 1,60; P < 0,001). As características iniciais foram semelhantes entre os que apresentaram eventos adversos em ambos os grupos.
A probabilidade de os pacientes que tiveram eventos adversos e tomaram liraglutida apresentarem cálculos de vesícula biliar sem complicação foi maior do que a dos que receberam placebo (16 vs. 5 pacientes), o que também ocorreu em casos de cálculos de vesícula biliar com complicação (52 vs. 40), colecistite (51 vs. 33) e obstrução biliar (25 vs. 16).
A colecistectomia foi mais comum nos pacientes tratados com liraglutida (1,74% vs. 1,11%; HR = 1,56; P = 0,013). No entanto, entre aqueles que apresentaram eventos relacionados com a vesícula ou com as vias biliares durante o estudo, as proporções submetidas à colecistectomia foram semelhantes (57% vs. 59%, respectivamente).
Dr. Michael e colaboradores disseram que este achado “deve ser interpretado com cautela, pois os pacientes que tiveram eventos relacionados com a vesícula ou com as vias biliares nos grupos liraglutida ou placebo podem não ser comparáveis em relação aos diferentes grupos de tratamento”.
E, acrescentaram, “no geral, a colecistectomia foi mais comum em pacientes tratados com liraglutida versus placebo, provavelmente porque mais eventos relacionados com a vesícula ou com as vias biliares ocorreram em indivíduos tratados com liraglutida”.
Pacientes que tiveram algum evento relacionado com a vesícula ou com as vias biliares perderam mais peso durante o estudo (25,3 kg com liraglutida vs.23,3 kg com placebo) do que os que não vivenciaram eventos adversos (23,0 kg vs. 20,6 kg, respectivamente). A perda ponderal de 1 kg no ensaio foi associada a um risco aproximadamente 4% maior de algum evento relacionado com a vesícula ou com as vias biliares.
Além da perda ponderal, outro possível mecanismo é um efeito inibitório na motilidade da vesícula biliar, que pode levar à formação do barro e de cálculos biliares, e que tem sido descrito como um fator contribuinte para o desenvolvimento de cálculos biliares com outros medicamentos, como o octreotídeo análogo da somatostatina, destacaram os pesquisadores.
Além disso, escreveram os autores, “em outros estudos de populações com diabetes, a prevalência de cálculos biliares, de 18%, foi muito maior do que a relatada no LEADER”.
“Embora essas descobertas sejam convincentes, outros estudos sobre os receptores análogos do GLP-1 não analisaram este aspecto de perto, então mais pesquisas são necessárias para realmente entendermos a extensão do risco”, disse o Dr. Scott.
Enquanto isso, aconselhou o médico: “É importante informar os pacientes sobre esse risco, e considerar a escolha de um medicamento para diabetes diferente em pacientes com alto risco de doença da vesícula biliar ou em pacientes cujas consequências desta complicação seriam mais graves, como pessoas frágeis ou com comorbidades graves. Dito isto, é difícil determinar quem pode ter alto risco de doença da vesícula biliar, por isso não há muito que possa ser feito preventivamente.”
O estudo foi financiado pela Novo Nordisk. O Dr. Michael A. Nauck informou ter recebido honorários por atuar em conselhos consultivos de AstraZeneca, Berlin-Chemie, Eli Lilly, Fractyl, Hanmi, MSD, NovoNordisk e Intarcia Therapeutics/Servier; remuneração por ministrar palestras de AstraZeneca, Berlin-Chemie, Boehringer Ingelheim, Eli Lilly, Medscape, MSD e Novo Nordisk; apoio para viagens de Berlin-Chemie, Eli Lilly, MSD, Novo Nordisk e Intarcia Therapeutics/Servier; e subvenção (à sua instituição) de AstraZeneca, Eli Lilly, GlaxoSmithKline, Intarcia Therapeutics/Servier, MSD, Novartis e Novo Nordisk. O Dr. Scott J. Pilla informou não ter relações financeiras relevantes.
Diabetes Care. Publicado on-line em 09 de agosto de 2019.
Nota ao leitor:
As notas acima são dirigidas principalmente aos leigos em medicina e têm por objetivo destacar os aspectos mais relevantes desse assunto e não visam substituir as orientações do médico, que devem ser tidas como superiores a elas. Sendo assim, elas não devem ser utilizadas para autodiagnóstico ou automedicação nem para subsidiar trabalhos que requeiram rigor científico.
Referencia: https://portugues.medscape.com/verartigo/6503930#vp_2