Dra. Carolina Gonçalves | Ganho ponderal na quarentena: implicações e riscos metabólicos
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Ganho ponderal na quarentena: implicações e riscos metabólicos

O ganho ponderal relacionado com o confinamento foi observado e relatado em muitos países. Como por exemplo, na Itália, nos Estados Unidos e no Reino Unido, e ganhou vários nomes nas mídias sociais dos EUA, como lockdown-15 e quarentena 15.

O número 15 corresponde ao peso ganho em libras (6,8 kg). Mas, esse fenômeno é real ou é mais uma construção das mídias sociais? Bem, eu fiz uma pesquisa no CardioTwitter com mais de 270 participantes, dos quais mais de 50% relataram ter ganhado peso.

De fato, 20% disseram que ganharam mais de 2,3 kg. Mas há também outros dados, como os de um fabricante de balanças eletrônicas nos Estados Unidos. Eles obtiveram os dados de várias centenas de milhares de participantes e mostraram, vale destacar, que a média de ganho ponderal foi bem mais modesta, de 0,2 kg. No entanto, mais de 20% dos indivíduos relataram um ganho ponderal superior a 454 gramas.

Mas não vamos esquecer que os indivíduos que compram essas balanças eletrônicas – que são o estado da arte – provavelmente não representam a população geral. E, portanto, é provável que o ganho ponderal na população geral seja acima de 454 gramas.

Então, quais são as causas desse ganho ponderal? Bem, isso provavelmente é multifatorial. Em primeiro lugar, estamos nos exercitando menos, muitas academias estão fechadas e não estamos mais saindo com medo de pegar Covid-19 (sigla do inglês, Coronavirus Disease 2019), principalmente os idosos e as pessoas com comorbidades.

Em segundo lugar, nossos hábitos alimentares mudaram. As pessoas estão estocando comida e estamos beliscando e fazendo vários nadas a maior parte do dia.

Também estamos passando a seguir dietas bem mais ricas em carboidratos, e isso obviamente terá um impacto no nosso ganho ponderal.

Curiosamente, foi relatado que um dos alimentos com maior aumento de venda no Reino Unido é de fato o álcool. As vendas de bebidas alcoólicas aumentaram 300%, e isso claramente afetará a ingestão calórica e o ganho ponderal.

Mas não subestimemos também o impacto psicológico do isolamento social durante o confinamento. E sabemos que o estado mental pode ter um efeito importante na ingestão calórica e no ganho ponderal.

Então, com os próximos participantes, focaremos em uma abordagem do ganho ponderal considerando várias perspectivas.

Em primeiro lugar, quais são as implicações metabólicas do ganho ponderal?

E em segundo, quais são os riscos de eventos cardiovasculares?

Dr. Scott Murray

Eu quero falar com vocês hoje sobre o fato de estarmos vivendo tempos estranhos. Fomos arrancados da nossa zona de conforto e colocados em uma situação muito difícil.

isso geralmente nos leva a substituir essa falta de conforto por comidas e por bebidas alcoólicas e, certamente, falando de forma muito pessoal, eu tenho comido demais nas últimas quatro semanas, e tenho certeza que alguns de vocês provavelmente fizeram o mesmo. Agora, chega a um ponto que não dá para continuar com esses hábitos hedonistas sem que isso afete a nossa saúde. E, eu quero te dar alguns exemplos específicos em que este comportamento, e certamente o comportamento alimentar associado ao entorno, podem ter um grande impacto na saúde cardiometabólica.

O primeiro é sobre o consumir comidas associadas a momentos de conforto, que são ricas em carboidratos processados, gorduras, sal e açúcar. E muitas vezes aumentam a insulina necessária para processar esses alimentos.

Infelizmente, esse aumento da insulina e, ocasionalmente, a hiperinsulinemia compensatória, podem afetar algumas das vias metabólicas do nosso corpo, que costumam ser reguladas por uma insulina rigorosamente sob controle.

Uma é a da enzima HMG-CoA redutase, que produz colesterol a partir do fígado, a partícula de lipoproteína apoB-100, e isso é inibido pelas estatinas, mas se você estimular demais a insulina, produzirá mais colesterol por essa via. E isso é, em última instância, o colesterol no sangue, capaz de ser glicado, oxidado e potencialmente acabar nas paredes arteriais.

Em um tema semelhante, se você estiver tendo picos frequentes de açúcar no sangue (talvez quatro ou cinco vezes ao dia com lanches e refeições), isso pode afetar o rim e algumas de suas habilidades endócrinas; portanto, se houver um grande volume frequente de glicose no rim, o SDLT-2 será afetado, você reterá sódio e água, aumentando o volume do sangue; mas também impedirá que o sal seja filtrado pela mácula densa, e é mais provável que a mácula densa reaja como se a pressão sanguínea tivesse caído, aumentando a produção de renina, e isso pode levar ao aumento da produção de angiotensina II, que é um potente vasoconstritor.

Portanto, ter mais sal, água, mais angiotensina e mais insulina no sistema levará à vasoconstrição, hipertensão arterial sistêmica e, como acabei de dizer, mais colesterol.

Frequentemente, devido ao consumo de alimentos processados, também observamos um aumento na relação de triglicerídeos/lipoproteína de alta densidade do colesterol (HDL, sigla do inglês, High-Density Lipoprotein), que é novamente um mau sinal do ponto de vista lipídico.

Portanto, essas duas coisas sem dúvida aumentam o risco cardiovascular.

Se você combinar isso com uma genética anormal que você herdou, além de histórico de tabagismo ou algum outro fator de risco, certamente você estará indo em uma direção ruim.

Por isso, peço às pessoas que tentem ficar o mais atentas possível nesses tempos difíceis, e que protejam o fígado, não consumindo alimentos processados e álcool em excesso, e alimentem o seu intestino com nutrientes e fibras sempre que possível, além de estimularem os músculos quando puderem para ativar as mitocôndrias dentro das células musculares, para que elas possam melhorar a flexibilidade metabólica, e tentem fazer intervalos sem comer sempre que possível, talvez tentar fazer o jejum intermitente, pois isso pode levar a uma redução geral de energia ruim e diminuir o preenchimento dos adipócitos, algo que você deve fazer para manter a sua saúde metabólica no futuro.

Causas e riscos do ganho ponderal durante o confinamento

Estudos epidemiológicos mostraram que alterações no peso podem estar associadas a risco de eventos cardiovasculares.

Por exemplo, o estudo Treating to New Targets (TNT) publicado no periódico New England Journal of Medicine mostrou que a variabilidade no ganho ponderal em pacientes com doença arterial coronariana foi associada a aumento do risco de eventos cardiovasculares e de mortalidade total.

Da mesma forma, os dados do programa norte-americano NHANES mostraram que o ganho ponderal durante um período de 10 anos, particularmente em indivíduos jovens e na idade adulta, está associado a aumento do risco de diabetes, eventos cardiovasculares e morte. Ainda há muita especulação sobre se este ganho ponderal em um curto período está de fato associado a aumento do risco de eventos cardiovasculares. Minha próxima convidada, a Dra. Erin Michos, professora associada de medicina da Johns Hopkins University, discutirá as causas do confinamento 15, mas também o aumento do risco de eventos cardiovasculares associado ao ganho ponderal.

Dra. Erin Michos

Olá, sou a Dra. Erin Michos. Sou diretora associada de cardiologia preventiva da Johns Hopkins School of Medicine e quero agradecer  pela oportunidade de falar sobre o impacto da obesidade  e do confinamento devido à Covid-19.

Existem impactos tanto upstream como downstream da obesidade nesta crise.

Primeiro, os efeitos downstream: O ganho ponderal no confinamento.

Devido ao distanciamento físico, ficar em casa reduz as opções de exercícios, diminuindo acentuadamente a atividade física e aumentando o tempo de tela.

Níveis elevados de estresse podem desencadear padrões alimentares não saudáveis, como comer em excesso, comer emocional e escolher alimentos pouco saudáveis, como os mais ricos em gorduras saturadas, carboidratos refinados simples, bebidas açucaradas e alcoólicas.

E há menos acesso a alimentos saudáveis, que são mais perecíveis.

No entanto, existem maneiras de incorporar mais atividade física ao cotidiano, mesmo estando em casa, e com um planejamento cuidadoso, ainda é possível comprar muitos alimentos saudáveis.

Os pacientes devem ser orientados sobre alimentos baratos, mais nutritivos e menos perecíveis.

O ganho ponderal no confinamento deve ser evitado, dadas as consequências cardiometabólicas downstream que resultam da resistência à insulina.

Agora, upstream da Covid-19, sabemos que indivíduos que já são obesos correm mais risco de apresentar formas mais graves da doença, o que é muito preocupante, pois aqui nos Estados Unidos a prevalência de obesidade é de 42%.

Por exemplo, entre as pessoas com menos de 60 anos de idade que tiveram Covid-19 na cidade de Nova York, aqueles com índice de massa corporal (IMC) de 30 kg/m2 a 34 kg/m2, ou > 35 kg/m2, têm duas e quatro vezes mais chances, respectivamente, de serem internados em uma unidade de tratamento intensivo (UTI) do que indivíduos com IMC < 30 kg/m2.

As razões são que a obesidade pode levar a uma função pulmonar restrita, resposta imune desregulada, aumento do risco de trombose, resistência à insulina e outras deficiências na reserva cardiorrespiratória.

Portanto, é crucial garantir que, mesmo nesses tempos difíceis, os esforços de prevenção de doenças cardiovasculares continuem figurando entre as principais prioridades de saúde e de políticas de saúde para este e para futuros surtos deste vírus, e para evitar consequências secundárias downstream de doenças cardiometabólicas. Obrigado.

Conclusões

Então, em resumo, penso que o fenômeno de ganho ponderal durante essa pandemia é real.

Eu não acho, no entanto, que seja de 6,8 kg. Eu acho que a maioria dos estudos mostrou que o ganho ponderal é muito mais modesto.

Certamente, no entanto, qualquer ganho ponderal pode ter impacto metabólico, desde alterações no perfil lipídico até aumento da pressão arterial, mas também na glicemia e resistência à insulina, o que é significativo.

O aumento do peso também pode afetar os desfechos de curto e longo prazos.

Por exemplo, como a Dr. Erin discutiu que ser obeso aumenta o risco de morte por Covid-19, em caso de infecção. E certamente existem dados epidemiológicos equiparando um aumento no índice de massa corporal ou do peso ao risco de eventos cardiovasculares. Se esse pequeno aumento ponderal, relativamente modesto, por um curto período tem impacto no risco cardiovascular nós ainda não sabemos.

Suspeito que, quando voltarmos à vida cotidiana e sairmos do confinamento, muito do peso ganho provavelmente será perdido por causa do aumento de nossa atividade, melhores hábitos alimentares e também pela redução do estresse. Afinal, o estresse é um fator determinante para os nossos hábitos alimentares.

Certamente, é importante tentar evitar ganhar peso durante esse período. E existem medidas simples. Mesmo no Reino Unido, o governo permite uma hora de atividade por dia; portanto, sair para correr, andar de bicicleta ou até uma longa caminhada certamente ajudará a queimar calorias. Evitar lanches e alimentos ricos em açúcar refinado é algo que os profissionais de saúde sabem que podem reduzir o risco de ganhar alguns quilos.

Eu acho que a coisa mais importante durante esse período é um tempo de circunspecção. Pensando no que importa e mantendo-se seguro.

O Dr. Scott Murray é cardiologista dos Wirral University Teaching Hospitals, e informou não ter conflitos de interesses relevantes. A Dra. Erin Michos é diretora associada de cardiologia preventiva, Ciccarone Center for the Prevention of Cardiovascular Disease, professora associada de medicina, Johns Hopkins Medicine, EUA , e informou não ter conflitos de interesses relevantes.

Referência: https://portugues.medscape.com/verartigo/6504841#vp_4

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