Dra. Carolina Gonçalves | Mutações no câncer: novo estudo aponta que boa parte dos casos pode se tratar de má sorte
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Mutações no câncer: novo estudo aponta que boa parte dos casos pode se tratar de má sorte

Novamente a questão se reafirma – muitos tumores acontecem simplesmente devido a “má sorte”?

Há alguns anos um artigo de pesquisa do periódico Science que sugeriu que muitos tipos de câncer podem ser causados por mutações aleatórias.

Isso levou a uma grande discussão, assim como a muitos questionamentos a respeito dos métodos e cálculos subjacentes. Os mesmos autores agora publicaram segundo estudo que reitera as primeiras conclusões.

Para o novo estudo, publicado no mesmo periódico, os pesquisadores analisaram sequenciamento genômico e dados epidemiológicos de 32 tipos de câncer e concluíram que erros de replicação do DNA são responsáveis por cerca de dois terços das mutações em neoplasias humanas.

Essa é uma “mudança completa de paradigma de como pensamos sobre o câncer”, disse o coautor Cristian Tomasetti, professor assistente de bioestatística no Johns Hopkins Kimmel Cancer Center e na Johns Hopkins Bloomberg School of Public Health, em Baltimore, Maryland, durante uma entrevista coletiva. “Os 65% dizem que o componente de erro está aqui para ficar e que é de grande proporção”.

Ele sugere que 65% dos casos de câncer se dão devido ao acaso, ou à “má sorte” – que é a mesma mensagem que causou alvoroço quando foi inicialmente sugerida pelo primeiro estudo.

Uma introdução ao artigo ajuda a explicar por que – “a maior parte da literatura atribui as mutações causadoras de câncer a duas fontes: herdadas e ambientais”.

Esses novos estudos destacam o papel proeminente das mutações de erro no câncer. Essas mutações surgem de uma terceira fonte: erros inevitáveis associados à replicação do DNA.

Na coletiva de imprensa, Tomasettie e o coautor Dr. Bert Vogelstein, codiretor do Ludwig Center no Johns Hopkins Kimmel Cancer Center, procuraram conciliar as duas formas diferentes de pensamento. Eles enfatizaram que os achados são consistentes com estudos epidemiológicos sugerindo que cerca de 40% dos casos de câncer poderiam ser prevenidos por mudanças no ambiente.

Esses achados não negam a importância de fatores como dieta, exercício e tabagismo, que contribuem para o desenvolvimento do câncer, disseram.

“As mutações são inevitáveis, e o câncer até certa extensão é inevitável,” disse o Dr. Vogelstein aos jornalistas. “Isso não significa que deveríamos fumar ou nos expor a outras influências prejudiciais”.

No entanto, muitas pessoas vão desenvolver câncer por conta desses erros aleatórios de cópia do DNA, independentemente de fatores ambientais.

Diferenças nos artigos

Uma das maiores diferenças entre o artigo atual e o estudo de 2015 é a inclusão do câncer de mama e de próstata na análise, explicou Tomasetti, “que são dois tipos de câncer muito importantes, com uma incidência muito alta”.

Outra questão importante que foi avaliada, observou, foi que o artigo de 2015 foi conduzido nos Estados Unidos. “Isso deixou para trás a questão: se existe uma variação bem conhecida na incidência de câncer, como os resultados mudariam se fizéssemos o estudo em outro país?”, disse ele. “Se os fatores ambientais são importantes, então em outro país a correlação poderia ser totalmente diferente”.

O novo estudo analisou a relação entre o número de divisões de células-tronco normais e o risco para 17 tipos de câncer em 69 países diferentes. Ele mostrou uma forte correlação (mediana = 0,80) entre incidência do câncer e divisões de células-tronco normais em todos os países, independentemente de qualquer fator ambiental.

“A correlação é essencialmente a que apresentamos para os Estados Unidos, e acredito que esse é um passo adiante muito importante”, comentou Tomasetti.

“O que este artigo mostra é que, pela primeira vez, alguém analisou as proporções de mutações dentro de cada tipo de câncer e as associou a três fatores”, disse Tomasetti. “Esse é um resultado completamente novo se comparado com o nosso artigo prévio, é realmente fundamental”.

No estudo anterior, Tomasetti e o Dr. Vogelstein relataram que erros aleatórios durante a replicação do DNA em células-tronco normais são um fator contribuinte maior no desenvolvimento do câncer.

“Então a estratégia de fechar as fronteiras não funciona. Nós precisamos de uma estratégia totalmente nova, e, até agora, tem havido muito pouca atenção aos inimigos que já estão aqui”.

Então a questão é: o que fazemos com as mutações que não têm nada a ver com fatores ambientais e que já “estão aqui”?

“Sabemos a partir dessa pesquisa que a maioria dos inimigos já está dentro de nós, eles já estão aqui”, disse o Dr. Vogelstein. “Esperamos que uma das implicações dessa pesquisa seja inspirar cientistas a reconhecerem esse fato, para então devotar esforços a várias estratégias para limitar o dano causado por esses inimigos internos”.

Necessidade de entendimento matemático

Em um editorial de acompanhamento, Martin Nowak (Harvard University, Boston, Massachusetts) e Bartlomiej Waclaw (University of Edinburgh, Reino Unido) reiteram que no estudo atual os autores demonstraram que uma grande proporção da variação do risco de câncer pode ser explicada (no sentido estatístico) pelo número de divisões de células-tronco.

“Um entendimento do risco de câncer que não leve em consideração a falta de sorte seria tão inapropriado como um que não considere os fatores ambientais ou hereditários”, escrevem.

A primeira análise desses autores já havia gerado muita discussão, e eles observam que os achados atuais vão indubitavelmente gerar a continuidade desse diálogo.

Mas, de forma importante, os achados apontam para uma clara necessidade de entendimento matemático preciso do câncer”, escrevem Nowak e Waclaw. “Vai levar muitos anos para responder em detalhes as questões interessantes e excitantes que foram levantadas”.

“Abordagem reducionista para um problema complexo”

Em uma matéria do periódico Science a respeito do novo estudo, a autora Jennifer Couzin-Frankel resume o achado principal da seguinte forma: “Em suma, os autores concluem que para 32 tipos de tumor, 66% das mutações promotoras do câncer surgem aleatoriamente durante a divisão celular em diversos órgãos ao longo da vida, 29% ocorrem devido a causas ambientais, e 5% são herdadas”.

Os pesquisadores estimaram que 66% das mutações que levam ao câncer aconteceram devido a “má sorte”, escreve. Mas eles enfatizaram, como fizeram previamente, que isso não significa que dois terços dos casos de câncer ocorrem devido a essas mutações de “má sorte”.

“Claro que essas são estimativas”, disse Tomasetti na coletiva de imprensa. “É o melhor que pode ser feito atualmente. Uma mudança de paradigma em como pensamos o câncer”.

No entanto, Jennifer também escreve que “muitos pesquisadores com os quais a Science conversou levantaram questões sobre os números concretos dos autores por várias razões”. Ela relatou suas reações.

“Os autores apontam que a hereditariedade está associada a um certo percentual de casos de câncer, e o ambiente está associado a outro percentual, e isso é provavelmente verdade”, disse a Dra. Anne McTiernan, médica e epidemiologista do Fred Hutchinson Cancer Research Center, Seattle, Washington. “Mas daí a assumir que o restante ocorre por conta de divisões de células-tronco e sorte… nós simplesmente não sabemos”.

“Acho que as pessoas se digladiam com a ideia porque é uma abordagem muito reducionista para um problema complexo”, disse o Prof. Richard Gilbertson, especialista em oncologia pediátrica e biologia do câncer na University of Cambridge,no Reino Unido.

“O câncer é muito mais complexo do que mutações e proliferação”, sugere. Esse artigo, ele e outros dizem, busca resumir a essas duas causas para a exclusão de todo o restante.

“A ideia de ver o câncer como um todo é muito estranha para nós, as causas de diferentes tipos são muito diferentes, disse Noel Weiss, epidemiologista do Fred Hutchinson Cancer Research Center. “O que parece ser aleatório hoje não vai ser tão aleatório no futuro”.

O estudo foi financiado por John Templeton Foundation, Lustgarten Foundation for Pancreatic Cancer Research, Virginia and D. K. Ludwig Fund for Cancer Research, Sol Goldman Center for Pancreatic Cancer Research, e pelo National Cancer Institute dos National Institutes of Health’s. Os autores e editorialistas declararam não possuir conflitos de interesses relevantes.

Science. Publicado on-line em 24 de março de 2017.
Artigo: http://science.sciencemag.org/content/355/6331/1330.full
Referência: http://portugues.medscape.com/verartigo/6501056#vp_3

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